Reforma tributária: O IBS/CBS sobre serviços, bens e outros direitos
Por Rosa Freitas
A primeira observação é que vi uma postagem do Senado Federal falando dos novos “impostos” CBS e IBS, porém, há um erro de taxonomia nessa informação. Imposto é espécie de tributo, da mesma forma que a contribuição é uma espécie também. Assim, tributo é gênero e são suas espécies: impostos (caráter geral e que não gera contraprestação e somente existem nas situações autorizadas na Constituição), taxas (se refere aos serviços potenciais ou efetivos prestados aos contribuintes), contribuições diversas (Cofins, CSLL, profissionais, CIDE, contribuição de benfeitorias, CIP e a nova CBS), pedágio e empréstimos compulsórios. Então, a reforma tributária é sobre tributos, não somente sobre os impostos. Nosso tema de hoje são os serviços.
1. Os serviços hoje
Acostumamo-nos a considerar que os serviços tributáveis eram todos aqueles previstos na lista de serviços anexa à LC 116, de 31 de julho de 2003. Essa lista, em geral, era reproduzida pelos municípios e, portanto, os impostos sobre serviços estavam contidos nas hipóteses de incidências definidas na mencionada lista. A lista cumpria a previsibilidade necessária ao ISS – Imposto Sobre Serviços e possui (até 31 de dezembro de 2032) caráter taxativo em relação a outras atividades e serviços que possam surgir ao longo do tempo.
No entanto, essa noção taxativa de serviços deixa de existir a partir da instituição do IBS/CBS, que passa a incidir sobre bens (materiais e imateriais), serviços e direitos. O que não sofrerá a incidência do IBS serão os bens intangíveis ou imateriais. Esses itens são propriedades imateriais que possuem valor econômico para uma empresa, mas não têm forma física, como patentes, clientes, recursos humanos, direitos autorais etc. Por exemplo, ao comprarmos uma Coca-Cola, não adquirimos apenas a bebida, mas todo o conjunto imaterial que se associa a essa marca. Embora ainda não tenhamos meios para precificar e negociar esses bens incorpóreos, eles existem e possuem valor de mercado.
2. Ampliação das hipóteses de incidência
Quando vamos entender a LC 214/25, observamos que o legislador previu que:
Art. 4° O IBS e a CBS incidem sobre operações onerosas com bens ou com serviços.
§ 2º Para fins do disposto neste art., considera-se operação onerosa com bens ou com serviços qualquer fornecimento com contraprestação, incluindo o decorrente de:
I – compra e venda, troca ou permuta, dação em pagamento e demais espécies de alienação;
II – locação;
III – licenciamento, concessão, cessão;
IV – mútuo oneroso;
V – doação com contraprestação em benefício do doador;
VI – instituição onerosa de direitos reais;
VII – arrendamento, inclusive mercantil; e
VIII – prestação de serviços.
Observamos que as hipóteses de incidência não têm na LC 214/25 uma lista exaustiva e taxativa de itens como na LC 104/01 na sua lista de serviços. O “guarda-chuva” de atividades, direitos e bens previsto na nova sistemática de tributação e circulação direcionadas ao consumo é bem amplo.
Outra questão para entender a característica abrangente da incidência do IBS/CBS, o legislador ainda explica que são irrelevantes para a caracterização das operações: I – o título jurídico pelo qual o bem encontra-se na posse do fornecedor; II – a espécie, tipo ou forma jurídica, a validade jurídica e os efeitos dos atos ou negócios jurídicos; III – a obtenção de lucro com a operação; e IV – o cumprimento de exigências legais, regulamentares ou administrativas.
Não sendo necessário que seja exercida atividade de comércio habitual, o IBS e a CBS incidem sobre qualquer operação com bem ou com serviço realizada pelo contribuinte, incluindo aquelas realizadas com ativo não circulante ou no exercício de atividade econômica.
As operações sobre imóveis serão tributados conforme o art. 215 da LC 214/25. Assim, as pessoas físicas que realizarem operações com bens imóveis serão consideradas contribuintes do regime regular do IBS e da CBS nos casos de: I – locação, cessão onerosa e arrendamento de bem imóvel, desde que, no ano-calendário anterior:
a) a receita total com essas operações exceda R$ 240.000; e
b) tenham por objeto mais de três bens imóveis distintos.
3. Fim dos incentivos fiscais
Outro ponto de grande importância é que os Estados e municípios não poderão mais conceder incentivos tributários sobre as atividades que atualmente estão sujeitas à incidência do ICMS e do ISS, a partir do início da vigência da EC 132/23. Os benefícios fiscais concedidos e vigentes até então estão resguardados, sendo proibida sua renovação.
Entretanto, essa proibição, assim como sua previsão desde o início da vigência da EC 132/23, parece não estar suficientemente clara. As hipóteses de isenção, concessão de crédito presumido, alíquota zero e regimes reduzidos são limitadas àquelas previstas na LC 214/25. Fica vedada aos Estados e municípios a concessão de benefícios fiscais sobre bens, direitos e serviços que anteriormente eram abarcados pelas normas do ICMS e do ISS.
Ademais, cabe ressaltar que as isenções e benefícios concedidos para efeitos de ICMS com prazos superiores à fase de transição da reforma serão custeados pelo FCBF – Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais. É importante observar que esse fundo não custeará os benefícios de ISS acaso existentes que tenham duração superior ao período de transição da reforma. Os municípios não terão direito a qualquer fundo por eventual perda da receita do ISS, e ainda não temos clareza sobre como será tratada essa situação. O que com certeza gerará uma possível controvérsia judicial.
4. Muitas novas incidências
O aumento considerável dos impostos sobre os serviços encarecerá várias atividades, muitas das quais não possuem benefícios, como bares, restaurantes, serviços notariais, hotelaria e diversas outras atividades. Os aluguéis também poderão ser tributados, pois o contribuinte que realizar locação, cessão onerosa ou arrendamento de bens imóveis, decorrentes de contratos firmados por prazo determinado, poderá optar pelo recolhimento do IBS e da CBS com base na receita bruta recebida (art. 487, LC 214/25). As operações sujeitas a esse regime estarão sujeitas ao pagamento do IBS e da CBS em um montante equivalente a 3,65% da receita bruta recebida a partir de 2025 e até 2029, quando iniciará a transição e a cobrança do IBS e da CBS.
Com essa ampliação da incidência sobre o consumo e os direitos, que vai muito além das normas de incidência do ICMS e do ISS, como conhecíamos, teremos uma ampliação do espectro de incidência do imposto.
Concluímos…
Ainda não sabemos qual será a alíquota de referência, considerando que ela será fixada por lei ordinária. Mas a previsão inicial é de alíquota cheia de quase 28%. Mais alguns detalhes: não é necessário que haja uma lei local reproduzindo a lista de hipóteses de serviços; na ausência de uma lei local (estadual ou municipal), incidirá a lei Federal (LC 214/25); cada município e cada Estado poderão definir suas alíquotas, mas estas não poderão ser superiores à alíquota de referência; a alíquota do IBS será a soma das alíquotas estaduais e municipais, enquanto a CBS é de competência da União; e a cada cinco anos o governo debaterá se as alíquotas são ou não suficientes.
Muitas incertezas nesse momento. Ainda aguardamos a votação do PLP 108 que tratará do comitê gestor e de outros impostos, como o ITBI e o ITCMD, o que promete novas tensões entre governo, Congresso e sociedade.
Rosa Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro