Multa por atraso na entrega da EFD-Contribuições: inaplicabilidade do artigo 12 da Lei nº 8.218/91
Por Jorge Ricardo da Silva Júnior
Este artigo tem como objetivo analisar a multa que vem sendo aplicada pela Receita Federal em casos de atraso na entrega da Escrituração Fiscal Digital das Contribuições incidentes sobre a Receita (EFD-Contribuições).
Para tanto, em primeiro lugar, será feita uma breve introdução do tema e da penalidade que tem sido aplicada pela Receita.
Em segundo lugar, será analisada se a aplicação dessa penalidade é correta à luz da legislação tributária, da jurisprudência do Poder Judiciário e da jurisprudência Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
EFD-Contribuições e multa aplicada pela Receita em caso de atraso na entrega da escrituração
Como se sabe, a EFD-Contribuições é uma obrigação acessória cuja finalidade é a escrituração, de forma digital, das contribuições sociais referentes ao PIS/Pasep, à Cofins e, quando aplicável, à Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB). Atualmente, essa escrituração é regulamentada pela Instrução Normativa nº 1.252/12.

De acordo com o artigo 7º, da IN nº 1.252/12, a EFD-Contribuições deve ser transmitida mensalmente pelas pessoas jurídicas de direito privado, inclusive as equiparadas, com base na apuração feita pelo regime de competência, independentemente do regime tributário, salvo hipóteses específicas de dispensa (artigo 4º da IN). Conforme o dispositivo, o prazo de entrega é até o décimo dia útil do segundo mês subsequente ao que se refira a escrituração.
Ainda, o artigo 10 da IN nº 1.252/12 dispõe que a “não apresentação” da escrituração no prazo fixado, ou a sua apresentação com incorreções ou omissões, “acarretará aplicação, ao infrator, das multas previstas no art. 12 da Lei nº 8.218/1991 sem prejuízo das sanções administrativas, cíveis e criminais cabíveis, inclusive aos responsáveis legais”.
Com efeito, se o contribuinte apresenta a escrituração com atraso, a multa é calculada, gerada e cientificada ao contribuinte de forma automática, no momento da transmissão fora do prazo (Seção 4 do Guia Prático da EFD Contribuições — Versão 1.35).
O referido art. 12 da Lei nº 8.218/91 dispõe que “a inobservância do disposto no artigo precedente acarretará a imposição das seguintes penalidades:
“(…)
III – multa equivalente a 0,02% (dois centésimos por cento) por dia de atraso, calculada sobre a receita bruta da pessoa jurídica no período a que se refere a escrituração, limitada a 1% (um por cento) desta, aos que não cumprirem o prazo estabelecido para apresentação dos registros e respectivos arquivos”.
À primeira vista, o dispositivo parece ser plenamente aplicável ao caso de entrega com atraso da EFD-Contribuições.
No entanto, este dispositivo conflita com o artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/01 e deve ser lido em conjunto com o dispositivo precedente (artigo 11 da Lei nº 8.218/91), de forma que é inaplicável ao caso analisado, conforme se passa a demonstrar.
Inaplicabilidade do artigo 12, III, da Lei nº 8.218/91 ao atraso na entrega da EFD-Contribuições
Embora a Receita, atualmente, aplique a referida multa prevista no artigo 12 da Lei nº 8.218/91, a correta penalidade a ser aplicada no caso de apresentação com atraso da EFD-Contribuições é a multa prevista no artigo 57, inciso I, alínea “b” da MP 2.158-35/01.
Para que se entenda o equívoco da Receita é necessária uma breve introdução à controvérsia envolvendo esses dois dispositivos.
Até o ano de 2015 havia discussão acerca da penalidade legal aplicável aos casos de entrega com atraso da escrituração fiscal exigida pela legislação tributária. A questão posta, que decorreu de diversas alterações legislativas nas redações dos dispositivos, estava na aplicação ou do artigo 12, III, da Lei 8.212/91, ou do artigo 57, I, “b” da MP 2.158-35/01, que eram consideradas normas conflitantes, de mesmo grau hierárquico, uma vez que versavam sobre mesmo tema.
Para elucidar, veja-se o quadro a seguir com ambos os dispositivos (redação atual):
Como se vê, em uma primeira análise, ambos os dispositivos aparentam tratar do mesmo objeto, qual seja, multa por atraso na entrega de escrituração fiscal. Isso porque, enquanto o artigo 12, III, da Lei nº 8.218/91 se refere a “multa por dia de atraso … aos que não cumprirem o prazo estabelecido para apresentação” o artigo 57, I, “b” da MP nº 2.158-35/01 menciona a multa “por apresentação extemporânea”, o que pode gerar discussão em relação a qual dispositivo deveria ser aplicado.
No entanto, tal discussão foi resolvida pela própria Receita Federal, com a edição do Parecer Normativo Cosit nº 03/2015, no qual se analisou, dentre outras questões, os objetos das multas em questão, de forma a deixar cristalina a distinção entre ambas.

Nesse sentido referiu o parecer que:
“a) O aspecto material do art. 57 da MP nº 2.158-35, de 2001, na redação dada pela Lei nº 12.783, de 2013, retomou o escopo genérico de sua redação originária, e não contém mais, em seu aspecto material, as infrações relativas à não apresentação de “declaração, demonstrativo ou escrituração digital”;
b) O aspecto material dos arts. 11 e 12 da Lei nº 8.218, de 1991, é deixar de escriturar livros ou elaborar documentos de natureza contábil ou fiscal quando exigido o sistema de processamento eletrônico, e não mais se encontra limitado pelo art. 57 da MP nº 2.158-35, de 2001, de modo a abarcar, novamente (tal qual antes da Lei nº 12.766, de 2012), a não apresentação de declaração, demonstrativo ou escrituração digital;”
Desse modo, é evidente a distinção entre ambas as multas, já que se propõem a penalizar condutas diversas.
De um lado, a multa do artigo 12 da Lei nº 8.218/91 somente tem aplicação na hipótese de o contribuinte adotar conduta plenamente omissiva quanto à escrituração fiscal, deixando de elaborar a escrituração fiscal determinada pela lei, inclusive pois o artigo 12 deve ser lido de forma conjunta com o artigo 11. Nesse caso, por óbvio, se o contribuinte deixou de elaborar a escrituração fiscal, tampouco haveria de apresentá-la extemporaneamente.
De outro lado, a multa do artigo 57, I, “b”, da MP nº 2.158-35/01 somente tem aplicação na hipótese de o contribuinte adotar conduta parcialmente omissiva quanto à escrituração fiscal, já que houve a elaboração da escrituração fiscal determinada pela legislação, mas apresentada de forma extemporânea.
Ademais, a distinção do objeto das multas fica ainda mais clara pelo valor destoante entre elas: ao passo que a multa prevista no artigo 12 da Lei 8.218/91 busca sancionar conduta mais gravosa (a completa omissão do contribuinte quanto à elaboração da escrituração fiscal), a penalidade cominada é, igualmente, mais severa, incidindo sobre a receita bruta; por outro lado, a multa prevista no artigo 57, I, “b” da MP 2.157-35/01 busca sancionar conduta menos gravosa (entrega com atraso da escrituração fiscal), razão pela qual comporta penalidade menos gravosa (valor fixo de R$ 1.500/mês).
Inclusive, analisando-se a justificativa da MP 575/12 para introduzir o artigo 8º na Lei nº 12.766/12, que deu nova redação ao artigo 57, inciso I, da MP nº 2.158-35/01 na época, verifica-se que a modificação do referido dispositivo buscava adequar a multa por atraso na entrega da escrituração ao princípio da proporcionalidade:
“Quanto à primeira alteração, é preciso reduzir o desarrazoado valor de R$ 5.000,00 ao mês hoje exigido das pessoas jurídicas, qualquer que seja seu porte, que entreguem com atraso declaração, demonstrativo ou escrituração digital cuja criação foi delegada à RFB pelo art. 16 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999. A redação proposta ao art. 57 da Medida Provisória nº 2.158 35, de 24 de agosto de 2001, aperfeiçoada pela Emenda nº 65, conforma os valores da multa ao princípio da proporcionalidade”.
Como se vê, a justificativa já considerava abusivo o valor de R$ 5 mil por mês pelo atraso na entrega da escrituração, razão pela qual o valor máximo por fração ou mês foi diminuído para R$ 1.500.
Não obstante fique clara âmbito de aplicação distinto das normas em aparente conflito, a Receita Federal, insiste em defender a aplicabilidade da multa do artigo 12 da Lei nº 8.218/91, inclusive por meio de uma interpretação equivocada do Parecer Normativo Cosit nº 03/2015. Tal interpretação consta no Guia Prático da EFD Contribuições — Versão 1.35, em que a Receita afirma o seguinte:
“Conforme disposto ainda no Parecer Normativo Cosit nº 3, de 28 de agosto de 2015, a multa prevista no art. 57 da medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, pela sua natureza de generalidade, não mais se aplica em relação às infrações em que se tenha lei específica tratando de infrações. Assim, em relação aos arquivos digitais, devem ser aplicadas as multas previstas no art. 12 da Lei nº 8.218, de 1991 e não, as multas do art. 57 da medida Provisória nº 2.158-35, de 2001.”
O principal fundamento da Receita para adotar essa interpretação tem base na Lei nº 13.670/18, que, de fato, alterou a redação do artigo 12 Lei nº 8.218/91. Especificamente quanto à multa do inciso III, a única alteração foi a parte final do inciso. Enquanto a redação anterior determinava a aplicação da multa “aos que não cumprirem o prazo estabelecido para apresentação dos arquivos e sistemas” a nova redação refere “aos que não cumprirem o prazo estabelecido para apresentação dos registros e respectivos arquivos”.
Ocorre que tal alteração em nada muda o aspecto material da norma, de tal sorte que não a torna aplicável à situação de apresentação extemporânea da EFD-Contribuições.
Assim, há de se concordar com Dora Almeida, Michell Pzerpiorka e Jeferson Teodorovicz, que, ao tratarem desse tema, concluíram que essa alteração é insuficiente para mudar o âmbito de aplicação da multa [1].
Apesar dos poucos julgamentos sobre o tema sobre o tema, a jurisprudência também vai no sentido de aplicação do artigo 57, I, “b”, da MP nº 2.158-35/01 aos casos de atraso na entrega da referida escrituração.
No âmbito do Carf, pode ser citado trecho do voto da conselheira Vanessa Cecconello, no Acórdão nº 9303-011.339, da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF):
“Acrescente-se que, como esclarecido na própria interpretação dada pela Secretaria da Receita Federal por meio do Parecer Normativo RFB nº 3/2013 e ratificada no Parecer Normativo RFB nº 03/2015, a conduta do contribuinte se amoldará ao aspecto material dos arts. 11 e 12 da Lei nº 8.218/1991 apenas quando a Fiscalização Federal comprovar que a pessoa jurídica não apresentou o demonstrativo ou escrituração digital por não tê-los escriturado, não estando, por essa razão, disponíveis. Sendo a hipótese de o Sujeito Passivo ter efetuado a escrituração, e, no entanto, ocorre a simples não apresentação ou atraso na apresentação de documentos sem que o Fisco comprove a não escrituração, aplica-se a multa menos gravosa, prevista no art. 57 da MP nº 2.158-35/2001. Essa a situação que se verifica nos presentes autos, sendo totalmente improcedente o auto de infração lançado em face do Contribuinte, devendo ser cancelada e baixada a exigência fiscal correspondente. Nesse sentido, também foi o entendimento desta 3ª Turma da Câmara Superior nos julgados consubstanciados nos acórdãos nº 9303-008.133, de relatoria da Ilustre Conselheira Tatiana Midori Migiyama e 9303-007.160, de 12 de julho de 2018, de relatoria da Nobre Conselheira Érika Costa Camargos Autran” [2] (grifos do articulista).
Além disso, no Poder Judiciário há entendimento favorável aos contribuintes, como é o caso da jurisprudência do TRF-4:
TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DESCUMPRIMENTO. MULTA. REDUÇÃO. 1. A multa pela entrega extemporânea da EFD-Contribuições deve seguir o preceito do artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, em detrimento da penalidade prevista no artigo 12 da Lei nº 8.218/91. 2. Sendo caso em que as normas da Lei 8.218/91 e da MP 2.158-35/2001 tratam de situações idênticas, a interpretação a ser empregada é aquela mais favorável ao contribuinte, na forma do art. 112, incisos I e IV, do CTN [3].
Em sentido semelhante são os acórdãos proferidos pelo referido Tribunal nas Apelações nº 5010465-47.2023.4.04. 7107, 5009835-88.2023.4.04.7107, 5020423-25.2021.4.04.7205 e 5044867-49.2021.4.04. 7100.
Dessa forma, seja em razão do aspecto material das multas, que foi esclarecido anteriormente, ou da necessidade de aplicação da penalidade mais branda, conforme ressaltou o TRF-4 (artigo Aplicação do artigo 112 do CTN), a multa aplicável ao caso de apresentação com atraso da EFD-Contribuições é a prevista no artigo 57, I, “b”, da MP nº 2.158-35/01.
Portanto, é necessário que os contribuintes se atentem a essa distinção e questionem a aplicação da multa do artigo 12, III, da Lei nº Lei 8.218/91, que, atualmente, é aplicada pela Receita Federal, especialmente pela relevante diferença de valores entre as multas.
[1] ALMEIDA, Dora; PRZEPIORKA, Michell; TEODOROVICZ, Jeferson. O Custo Adicional do Compliance Tributário: as Multas pelo Descumprimento de Obrigações Acessórias. Revista Direito Tributário Atual, [S. l.], n. 50, p. 477–501, 2022. Disponível em: https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/2171. Acesso em: 12 abr. 2025.
[2] CSRF. Proc. nº 19515.721499/2013-43; Recurso Especial do Contribuinte; Acórdão nº 9303-011.339 – CSRF/3ª Turma; Rel. Conselheira Vanessa Marirni Cecconello; julgado em 13/04/2021.
[3] TRF4, AC 5014044-77.2021.4.04.7202, 1ª Turma, relator ANDREI PITTEN VELLOSO, julgado em 21/06/2024