Risco de tributação de dividendos distribuídos acima do lucro apurado
Contudo, visando otimizações operacionais e maior comodidade financeira, é comum que os empresários optem pela distribuição de dividendos em intervalos inferiores ao determinado em Lei.
Essa operação é perfeitamente possível a sociedades limitadas e anônimas, unipessoais e plurais, desde que o contrato ou estatuto social preveja a apuração periódica da existência lucros e sua distribuição aos titulares das quotas ou ações, o que se dá, obrigatoriamente, por meio de deliberação dos sócios e acionistas, transcrita em atas de reunião ou assembleia, que serão posteriormente levadas a registro.
A ausência de deliberação formal a respeito da distribuição pode ocasionar a caracterização de mútuo (empréstimo) da sociedade ao sócio ou acionista, por ser entendida como uma antecipação de valor com base em evento futuro e incerto (existência de lucro e deliberação por sua distribuição) que, na eventualidade de não se confirmar, constituirá o direito da pessoa jurídica em reaver o valor pago. Essa hipótese, se identificada pela autoridade fiscal, é passível de incidência de IOF, conforme decidido pelo Carf em 2017, no acórdão nº 3401-004.246.
Nesse contexto, surge a seguinte dúvida:
“E se a empresa não tem lucro apurado, é possível distribuir antecipadamente o lucro esperado para o fim do exercício?”.
É justamente este o ponto delicado do assunto, que demanda atenção a estratégias de economia tributária e segurança jurídica.
Isso porque os dividendos distribuídos a sócios e acionistas são, até o momento da redação deste artigo, isentos do imposto de renda. Isso vale para empresas do lucro presumido, real, arbitrado e do Simples Nacional.
Para que a isenção seja resguardada, no entanto, a operação deve ser realizada com o devido lastro contábil e amparo jurídico, o que se dá com 1) a apuração do lucro existente, 2) sua aprovação e distribuição por meio de ata de reunião ou assembleia e 3) a destinação correta dos percentuais previstos nos atos societários da empresa e pela legislação aplicável.
No caso específico de empresas optantes pelo Lucro Presumido, são isentos de IR os dividendos correspondente ao lucro presumido da empresa, diminuído de todos os demais impostos e contribuições a que a pessoa jurídica estiver sujeita, de acordo com a atividade que exerce. Para distribuir mais que o lucro presumido, a sociedade deverá levantar escriturações contábeis que demonstrem que o lucro contábil foi superior ao presumido (artigo 238, §2º da IN RFB nº 1.700/2017).
Para as empresas do Simples Nacional, o raciocínio é o mesmo: o lucro isento de IR é apurado com base em um percentual que varia de acordo com a atividade da empresa, subtraído do valor devido na forma do Simples Nacional no período (artigo 14 da LC nº 123/2006).
Nas empresas do Lucro Real, evidentemente, a isenção do IR vale somente para o lucro efetivamente auferido e demonstrado nas escriturações contábeis.
Em todos os casos, se a parcela dos rendimentos creditados ao sócio ou acionista exceder o valor apurado contabilmente no exercício em curso, e se não houver reserva de exercícios anteriores para justificar a distribuição, os dividendos distribuídos em excesso poderão sofrer incidência do imposto de renda em alíquota exclusiva de 35%, por pagamento sem comprovação de causa. O mesmo ocorre com dividendos distribuídos sem apuração em balanço, conforme previsto no artigo 238, §§3º, 4º e 8º da IN RFB nº 1.700/2017.
Neste caso, o IRRF é devido na fonte. Isso significa que, se o pagamento já tiver sido realizado ao sócio ou acionista, o valor será presumido como líquido. Se não houve retenção do imposto, a alíquota será cobrada não em relação ao dividendo distribuído, mas ao valor bruto que ele representa, resultando em uma tributação ainda mais onerosa ao contribuinte.
A distribuição de dividendos em excesso representa, portanto, um risco tributário grave e desnecessário, que pode ser evitado com a adoção de medidas preventivas de rotinas contábeis e societárias, e estudo de viabilidade de outras estratégias contratuais capazes de remediar, de forma legítima e segura, eventual urgência do sócio ou acionista por captação imediata de recursos.
Rafael de Oliveira Colonelo é advogado especialista em planejamento patrimonial e consultor societário na Certezza Consultoria Empresarial.