Responsabilidade dos sócios no novo CPC
É cada vez mais frequente a verificação, em nossos tribunais, da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, quando configurado qualquer forma de abuso de direito, fraude e desvio de finalidade da empresa, em benefícios de seus sócios e em detrimento e prejuízo de terceiros.
O tema ganhou ainda mais projeção face aos recentes escândalos na política envolvendo esquemas de corrupção dentro de empresas nacional e internacionalmente conhecidas.
Nosso ordenamento jurídico, a partir do artigo 45 do Código Civil, se predispôs a elencar a condição necessária para conceber o surgimento de uma pessoa jurídica, qual seja a inscrição do ato constitutivo no respectivo órgão (Registro Civil de Pessoa Jurídica, Junta Comercial ou outro órgão competente como, por exemplo, o Tribunal Superior Eleitoral, tratandose de partidos políticos).
A personalização de um ente com objetivos e atividades próprias surgiu com o escopo precípuo de distinguir a figura da pessoa jurídica daquela dos membros que a compõe, além de originar vínculos jurídicos próprios, fazendo vigorar, atualmente, o princípio da autonomia patrimonial, o que significaria dizer que os bens da pessoa jurídica não se confundem com os bens de seus sócios e viceversa.
O instituto em estudo surgiu na Inglaterra, ganhando maior destaque e aprofundamento prático na Alemanha e nos Estados Unidos, sendo este último responsável pela criação da doutrina “disregard of legal entity”, segundo a qual a desconsideração da personalidade jurídica é verificada a partir de uma violação de norma estatutária da empresa, abuso de poder ou prática de ato ilícito por parte de seus dirigentes.
No Brasil, o primeiro diploma legal a tratar do tema foi o Código Civil de 1916, no caput de seu artigo 20, que estabelecia a impossibilidade de confusão entre a pessoa jurídica com as pessoas de seus membros.
Com o tempo, o mecanismo da desconsideração foi sedimentado em nossa legislação, por meio do advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), precisamente em seu artigo 28, além da Lei 9.065/98 (que versa sobre prejuízos ambientais), além do advento do novo Código Civil de 2002, no seu artigo 50.
Não obstante à sua positivação, nos deparamos com uma jurisprudência bastante oscilante nesse sentido, uma vez que não há uma definição clara e segura dos critérios a serem utilizados para a desconsideração da personalidade jurídica, colocando em risco não somente a existência regular e legítima de uma pessoa jurídica, como também os direitos materiais de seus componentes, podendo, ainda, desestimular a atividade empresarial como um todo, motivo pelo qual tornava essencial sua inclusão no novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15).
Nessa esteira, o novo diploma legal disciplinou o tema em um capítulo autônomo, qual seja o Capítulo IV do Título II, denominado “Do incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica”, a partir do novo artigo 133.
Interessante notar que referido artigo impossibilita o magistrado de aplicar ex oficio a desconsideração, haja vista que ela será instaurada somente a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervenção na demanda.
Em outras palavras, haverá necessariamente a citação do polo passivo, sendo tal questão resolvida por meio de decisão interlocutória, combatível via agravo de instrumento ou agravo interno, caso, nesta última situação, a decisão tenha sido proferida pelo relator em segunda instância, conforme dicção do artigo 136, parágrafo único.
Outro importante apontamento a ser feito diz respeito ao artigo 134, que reforça o tratamento incidental do instituto em apreço, sendo cabível em todas as fases do processo de conhecimento, bem como no cumprimento de sentença e execução fundada em título executivo extrajudicial.
O que se vê na prestação jurisdicional brasileira, hoje em dia, é o emprego da desconsideração da personalidade jurídica com uma indiscriminada confusão dos bens dos sócios e das pessoas jurídicas. Isso se deve, sobretudo, ao fato de não haver uma definição clara e segura quanto aos requisitos desta ocorrência. A crítica que se apresenta referese ao fato de que a confusão patrimonial não pode e nem deve ocorrer quando diante de uma simples dificuldade na localização de bens para execução, sob pena de colocar em risco não somente a atividade empresarial como um todo, mas os direitos materiais das pessoas naturais.
Nessa linha, o novo Código de Processo Civil mantevese inerte, deixando novamente a cargo do magistrado a possibilidade dos sócios, por meio de seus bens, serem responsabilizados por eventuais atos ilícitos praticados.
Podemos concluir, então, que o novo diploma legal, objeto do presente estudo, trouxe consigo duas relevantes inovações quanto à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica: a impossibilidade de ser concedida arbitrariamente pelo magistrado (leiase de maneira unilateral), devendo respeitar, sobretudo, o princípio constitucional da ampla defesa e contraditório presentes em nosso ordenamento pátrio e o fato de sua eventual aplicação não acarretar, de forma alguma, em causa de extinção da pessoa jurídica, deixando de lado, temporariamente, a distinção entre as pessoas dos sócios e a pessoa jurídica que conformam.
Lucas Nowill de Azevedo é advogado especializado em direito do consumidor no escritório Pires & Gonçalves para o Valor Econômico