Passivo Fictício e Presunção de Omissão de Receita
A existência de Passivo Fictício na contabilidade pode ter duas origens possíveis: (i) a manutenção no passivo de obrigações já pagas; ou (ii) a manutenção no passivo de obrigações cuja exigibilidade não seja comprovada.
Em termos contábeis, a primeira hipótese significa a ausência ou intempestividade da escrituração do pagamento de obrigação, ou seja, dos consequentes lançamentos a débito na conta passiva respectiva e a crédito na conta ativa originária dos recursos. Já a segunda hipótese decorre de lançamentos a crédito em conta passiva sem que haja lastro probatório da existência da obrigação.
A constatação de qualquer uma dessas situações implica a presunção de omissão de receita, nos termos do art. 40 da Lei n. 9.430/96. Em virtude disso, enseja que a autoridade fiscal lance suplementarmente tributos cuja base de cálculo seja diretamente influenciada pela receita, tais quais IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
A lógica do legislador no primeiro caso, isto é, a manutenção no passivo de obrigações já pagas, é a de que a quitação não foi escriturada, ou o foi a destempo, pois o correspondente lançamento a crédito na conta ativa originária dos recursos utilizados no pagamento já implicaria saldo credor nesta conta, a indicar omissão de receita. Este saldo credor resultaria, justamente, da não contabilização das receitas com que a obrigação foi quitada.
No segundo caso, o legislador presumiu que a escrituração indevida de uma obrigação (crédito em uma conta passiva) se deu com o fito de justificar acréscimos no patrimônio do contribuinte cujo custo, na verdade, foi arcado com receitas mantidas à margem da escrituração.
Em ambas situações está-se, portanto, face a presunções relativas que são suscetíveis de elisão, isto é, oposição de provas e argumentos que modificam a conclusão sobre os fatos. E assim o é pois, muitas vezes, a constatação de Passivo Fictício não decorre de uma efetiva omissão de receita, mas de mero lapso contábil.
Efetivamente, imagine-se a hipótese em que um pagamento não foi escriturado no momento oportuno por equívoco contábil, constituindo, pois, o crédito na conta passiva não baixado um Passivo Fictício. Contudo, em análise à conta Caixa, por exemplo, verifica-se que esta dispunha, à época do pagamento, de saldo suficiente para absorver um creditamento respectivo ao pagamento não escriturado. Observa-se, também, que a ausência de lançamento da quitação foi devidamente retificada em momento posterior, antes de iniciada qualquer fiscalização fazendária.
Tem-se, por conseguinte, situação em que a lógica da presunção da omissão de receita –saldo insuficiente na conta ativa originária para contabilização do pagamento – não se sustenta, porquanto a ausência de escrituração do pagamento não implicaria saldo credor de Caixa, a indicar que as receitas estão sendo devidamente escrituradas.
A circunstância de se ter procedido a retificação do lapso contábil também relativiza a presunção em comento, já tendo o CARF decidido que “não cumpre falar em passivo fictício quando resta demonstrado, através de farta documentação, tratar-se de mero erro na escrituração contábil, há muito sanada, antes de iniciada a fiscalização e sem ônus para o fisco” (CARF – Processo n. 18471.002077/2007-18. 3ª TE. Rel. Cons. Meigan Sack Rodrigues. j. em 13 de março de 2014).
Interessante notar que a Norma Brasileira de Contabilidade T 2.4, que dispõe acerca da retificação de lançamentos, prevê em seu item 2.4.6 que “os lançamentos realizados fora da época devida deverão consignar, nos seus históricos, as datas efetivas das ocorrências e a razão do atraso”. Extrai-se de seus termos, portanto, a possibilidade de que lançamento posterior supra a ausência de escrituração na data do fato, bem como a necessidade de que referida retificação seja devidamente justificada.
No mesmo sentido é a situação em que o Passivo Fictício decorre de lançamento dúplice (referente à mesma obrigação) a crédito em alguma conta passiva, devidamente retificado antes de iniciada qualquer fiscalização. Neste caso, a retificação deve se dar mediante estorno, que “consiste em lançamentos inverso àquele feito erroneamente, anulando-o totalmente” (NBC 2.4.3).
Em verdade, cabe ao próprio Auditor Fiscal, quando da fiscalização, reunir elementos indiciários que corroborem a presunção de omissão de receita decorrente de Passivo Fictício, tal qual a perquirição acerca do saldo da conta ativa na data dos pagamentos não escriturados e a existência de retificação posterior, a fim de não proceder a glosas indevidas.
João Henrique Krauspenhar, graduado em Direito pela UFSC, advogado sócio-fundador da Rossini, Krauspenhar & Pescador
Guilherme de Mello Rossini, graduado em Direito pela UFSC, mestrando em Direito Tributário pela UFPR, advogado sócio-fundador da Rossini, Krauspenhar & Pescador
Quando o passivo que se está examinando é um passivo em face do próprio fisco, como por exemplo INSS a recolher. Neste caso há sentido em se falar em passivo fictício nos termos do artigo 40 da lei 9.430/96. Em se tratando do próprio fisco como credor não seria o caso de tão somente cobrar o valor de INSS a recolher, sem necessidade de se perquirir sobre como a dívida foi constituída? Se ela é real ou fictícia?