Para fomentar esse tipo de atividade o PL 338/2018 do Senado Federal prevê a regulamentação do Contrato de Impacto Social (CIS). O CIS é a inovação do processo licitatório: ao invés de o poder público contratar um serviço específico e engessado, contrata o atingimento de determinada meta de interesse social. Com isso, o CIS torna-se uma alternativa inteligente para os casos que necessitam de uma abordagem inovadora. Por exemplo: baixa presença de crianças nas escolas de uma determinada região. Neste caso, através do CIS, ao invés da contratação da construção de mais escolas, contrata-se o resultado “diminuição da evasão escolar na região x”.
Se a empresa contratada atingir o objetivo no prazo preestabelecido receberá a contrapartida financeira definida no Contrato. Caso o objetivo não seja alcançado, a empresa não recebe nada. O risco da atividade é integralmente da entidade privada contratada, que, por sua vez, terá liberdade de atuação na busca pelo resultado pretendido, inclusive para financiar o projeto – já que o poder público só irá remunerá-la ao final do contrato, que poderá durar de cinco a dez anos.
Nesse ponto, surge a figura do investidor de impacto. O Projeto de Lei autoriza que a empresa contratada busque no mercado de capitais financiamento para sua demanda, por meio da emissão de títulos mobiliários lastreados no Contrato de Impacto. O agente (pessoa física ou jurídica) que investir nesse título estará financiando o trabalho, apostando no alcance da meta estabelecida e na consequente futura remuneração por parte do Estado.
O texto original do projeto de lei estimulava o financiamento privado do CIS ao conceder benefício fiscal em favor do investidor, materializado na incidência de alíquota zero de imposto de renda sobre os rendimentos auferidos por meio dos valores mobiliários relacionados ao CIS. Ocorre que ao alcançar a Comissão de Constituição e Justiça do Senado o dispositivo legal que previa o benefício fiscal foi suprimido, sob a alegação de não haver estimativa do impacto orçamentário e financeiro do incentivo, conforme exige o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Não há dúvidas quanto ao prejuízo sofrido pelo Setor de Impacto e, indiretamente, por toda a sociedade, com a exclusão do benefício fiscal no PL 338/2018, o que merece ser abordado por ocasião da audiência pública a ser agendada pela CCJ, ainda sem data definida.
Em um contexto de crise estrutural da figura estatal, em que as desigualdades sociais evidenciam, apesar da alta arrecadação tributária, a ineficácia do Estado brasileiro em assegurar direitos fundamentais para toda sua população, há que se repensar o direito tributário, enxergando-o não apenas sob a perspectiva da sua função financiadora do Estado, mas também sob o viés da sua função extrafiscal, que se materializada por meio da concessão de incentivos em favor dos segmentos da economia capazes de contribuir com o Estado no cumprimento do seu papel estabelecido na Constituição Federal. Tem-se, assim, como bem ensinou o professor Marciano Buffon, o interesse humano da tributação[3].
Nesse ponto, a concessão de incentivo fiscal em favor de atividade com impacto social pode operar reflexos sociais muito mais efetivos e imediatos do que tributos arrecadados com intuito de cumprir com as metas orçamentárias. Daí a importância da reinserção da previsão do benefício fiscal no PL 338/2018, o qual – diferentemente daqueles concedidos através de lobby a grandes instituições ou setores específicos da economia – de fato justifica-se como renúncia fiscal.
Os negócios sociais crescem em todo o mundo[4], assim como o interesse por parte de jovens investidores em títulos relacionados a impactos socioambientais[5]. O Brasil deve contribuir e estimular essa tendência. O primeiro passo para isso é a aprovação do PL 338/2018, inclusive com a manutenção do dispositivo legal que trata do benefício fiscal do imposto de renda para o investidor do CIS.
[1] Decreto n. 9.977/2019 (norma reguladora da ENIMPACTO – Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto)
Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I – negócios de impacto – empreendimentos com o objetivo de gerar impacto socioambiental e resultado financeiro positivo de forma sustentável;
[2] Oriunda da expressão Benefit Corporations
[3] Marciano Buffon. TRIBUTAÇÃO E DIREITOS SOCIAIS: A EXTRAFISCALIDADE INSTRUMENTO DE EFETIVIDADE. Revista Brasileira de Direito, IMED, Vol. 8, nº 2, jul-dez 2012 – ISSN 2238-0604
[4]https://m.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/RN/Anexos/Versa%CC%83o%201%20-%20Boletim%20-%20Nego%CC%81cios%20de%20Impacto.pdf. Publicado em maio/2019. Acessado em 12 de junho de 2020.
[5]https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/fiis/2018/11/nova-geracao-influencia-investimento-de-impacto-por-familias-bilionarias.shtml. Publicado em 13 de novembro de 2018. Acessado em 12 de junho de 2020.