Uma particularidade que merece destaque está na abrangência da Lei do Bem que, diferentemente de outros incentivos, não limita o setor ou atividade econômica, ou seja, pessoas jurídicas de qualquer ramo de atividade, tamanho e volume de investimentos podem usufruir de seus benefícios, desde que seja possível identificar projetos com atividades de PD&I que atendam aos conceitos legais e vincular os investimentos para sua execução.
Outra característica importante é a possibilidade do uso antecipado dos benefícios tributários, uma vez que não há aprovação ou submissão prévia de projetos para a utilização desses benefícios, como ocorre com outros incentivos fiscais: a Lei de Informática e o Rota 2030, por exemplo.
Apesar das facilidades, um número ainda pouco expressivo de empresas brasileiras tem utilizado a Lei do Bem. Em 2019, ano recorde de utilização, menos de 3 mil empresas – de um universo de aproximadamente 150 mil – se beneficiaram dos incentivos. Alguns fatores que podem explicar tal ocorrência são, provavelmente, a falta de conhecimento da própria lei, a impossibilidade dos gestores identificarem o enquadramento de suas empresas e projetos para aplicá-la em seus negócios e a falta de debates sobre atividades de PD&I, especialmente no setor de serviços e nos relacionados à transformação digital. Deve-se considerar, também, a dificuldade técnica para enquadramento de atividades de PD&I em atividades de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e a falta de convergência entre o setor privado e avaliadores do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), acerca do conceito de riscos ou desafios tecnológicos.
Com base em pesquisa realizada recentemente pela Grant Thornton, multinacional de auditoria e consultoria, foi possível identificar uma tendência de investimentos em projetos de Tecnologia da Informação (TI) para transformação digital pelo empresariado brasileiro, na qual 80% dos entrevistados preveem incrementos nos investimentos, contra uma média global de 51%.
No item “pesquisa e desenvolvimento”, a tendência apontada por 68% dos brasileiros também é de aumento de investimentos, índice muito maior do que a média global, que ficou em 44%. Este fato demonstra que existe uma expectativa dos empresários brasileiros em reverter parte dos investimentos em benefícios tributários relacionados à Lei do Bem.
Como já mencionado, embora a lei tenha possibilitado o alcance de um número maior de empresas beneficiárias, que subiu de 130, em 2006 – seu primeiro ano de existência, para um total de 2.288, em 2019, ainda há muito que se discutir sobre enquadramento de projetos de PD&I e os limites de suas atividades, quando comparados com projetos de engenharia ou mera integração, por exemplo.
Um ponto muito importante é que, de forma geral, são três atores que atuam para que uma empresa utilize os incentivos fiscais da Lei do Bem: a empresa, o time de consultores e os avaliadores de projetos dos comitês que assessoram o MCTI.
O primeiro ator geralmente busca formas de se manter competitivo no mercado e, portanto, concebe projetos voltados à redução de custos, ao aumento da qualidade e/ou produtividade, ao engajamento, à prevenção de falhas e perdas, ao maior controle de variáveis e ao lançamento de produtos ou serviços no mercado.
Os consultores, segundo ator, time de profissionais com expertise técnica para avaliação dos projetos e cálculo dos benefícios tributários, são interlocutores entre os pesquisadores da iniciativa privada e os pesquisadores de Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs), que avaliam os projetos apresentados pelas empresas ao MCTI.
O terceiro e último ator, os avaliadores, tem papel fundamental na promoção do desenvolvimento tecnológico do país, pois, exerce uma função pública, com remuneração geralmente defasada frente à sua expertise, senioridade e competência, para avaliar uma infinidade de projetos e emitir opinião quanto aos seus enquadramentos nos requisitos da Lei do Bem.
Portanto, considerando o perfil de cada um, é de fato muito difícil os três convergirem acerca das atividades correlatas de um projeto de PD&I. Especialmente para o primeiro e o terceiro ator, essa convergência é mínima ou inexistente, e não poderia ser diferente, já que eles atuam em universos completamente distintos. Mesmo assim, a Lei do Bem vem – há 16 anos – auxiliando o progresso tecnológico do país e, para satisfação de todos, o número de projeto aprovados é bem maior do que o de rejeitados, indicando que de certa forma, mesmo com tantas diferenças, o país vem progredindo e inovando ao longo dos anos.
Evolução da Lei
Desde o início de 2020, está em tramitação no Senado Federal um projeto de lei que prevê uma importante alteração na Lei do Bem, que permitiria o acúmulo dos benefícios para utilizações futuras, ou seja, sem limitar apenas aos benefícios gerados durante o ano, como já acontece em outros países, como nos Estados Unidos, por exemplo.
Esse projeto é avaliado pelo mercado como um grande incentivo ao aumento e à manutenção de investimentos em PD&I, já que abrangerá empresas que, a despeito do momento econômico enfrentado, se colocaram em uma posição ativa de realizar investimentos, e não apenas as que geraram resultados positivos no ano.
Por fim, para as empresas que planejam ter acesso aos benefícios fiscais da Lei do Bem, que este ano teve o prazo de envio de informações prorrogado pelo MCTI para 30 de setembro, vale lembrar a importância da participação de profissionais especializados do início ao fim do processo. São várias etapas a serem cumpridas e que exigem acompanhamento constante, desde o diagnóstico técnico e tributário da empresa para adequação aos pré-requisitos da lei e a seleção dos projetos com potencial de conteúdo inovador, passando pela avaliação técnica dos projetos elencados e apoio na capacitação dos colaboradores, até o levantamento e a adequação dos documentos fiscais necessários para cumprir as exigências tributárias da lei.
Daniel Souza – sócio da área de TAX da Grant Thornton Brasil
Lillian Aliprandini – sócia líder em PD&I da Acceta Consultoria