(In)constitucionalidade de adicional de alíquota de ICMS sobre serviços de comunicação
Por Leonardo Andrade de Lima
No último dia 13 de setembro, a Acel (Associação das Operadoras de Celulares) e a Abrafix (Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado) ajuizaram, no STF (Supremo Tribunal Federal), ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 7.716/PB. A insurgência se dá em face do artigo 2º, inciso I, alínea ‘g’, da Lei nº 7.611/2004, do estado da Paraíba, e do artigo 2º, inciso VII, do Decreto nº 25.618/2004, do mesmo estado.
Os dispositivos em controvérsia instituem e regulamentam um adicional do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) para o custeio do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza no Estado da Paraíba (Funcep-PB).
Segundo os autores, a instituição desse adicional viola o texto constitucional, especificamente o artigo 82, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), pois esse adicional deveria recair somente sobre produtos e serviços supérfluos, e o princípio da seletividade, posto no artigo 155, § 2º, inciso III.
Pois bem, voltando os olhos para o dispositivo objurgado, o artigo 2º da Lei Estadual paraibana nº 7.611/2004 relaciona o que constituirá receita do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, incluindo, entre tantas, a parcela do produto da arrecadação correspondente ao adicional de 2% na alíquota do ICMS sobre os serviços de comunicação.
Assim, nas operações relativas à prestação de serviços de comunicação, a incidência do ICMS, cuja regra-matriz de incidência no estado está na Lei nº 6.379/1996 (atualizada em 2024), será acrescida de 2% à alíquota original prevista na regra de incidência, sendo o produto desse adicional destinado ao Funcep-PB.
Na lei que instituiu o ICMS no estado da Ponta do Seixas, observa-se a gradação de alíquotas estabelecida pelo legislador estadual, relacionando:
(1) alíquota geral interna de 18%;
(2) alíquota de 12% nas operações e prestações interestaduais;
(3) alíquota de 13% nas operações de exportação de mercadorias e na prestação de serviços de comunicação ao exterior;
(4) alíquota seletiva de 25% para operações internas com produtos como embarcações esportivas, armas, munições, entre outros;
(5) alíquota de 28% nas prestações de serviços de comunicação;
(6) alíquota de 25% no fornecimento de energia elétrica; e
(7) alíquota de 29% nas operações internas com fumo, cigarros e demais artigos de tabacaria, além de outras variações de alíquota que não são pertinentes a este recorte.
Inconstitucionalidade declarada pelo STF
Inclusive, a norma extraída dos incisos V e VI foi declarada inconstitucional pelo STF na ADI nº 7.114/PB, por estabelecer alíquotas superiores para os serviços de comunicação (28%) e energia elétrica (25%) em comparação à alíquota geral interna (18%). A declaração de inconstitucionalidade foi modulada, com efeitos a partir do exercício financeiro de 2024.
Portanto, a alíquota de 28% (sobre prestações de serviços de comunicação), prevista no inciso V do artigo 11 da lei estadual instituidora, sofrerá um acréscimo de 2%, totalizando 30%, com o objetivo de gerar receita para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza Estadual. Com o reconhecimento de sua inconstitucionalidade na ADI nº 7.114/PB, a alíquota é limitada à alíquota geral (18%). Assim, com o adicional previsto no artigo 2º, inciso I, alínea ‘g’, da Lei nº 7.611/2004, a alíquota ultrapassa a geral e atinge 20%.Por óbvio, é possível concluir que a Paraíba exacionou as operações conforme o disposto no artigo 155, § 2º, III, da Constituição, fixando alíquotas distintas de ICMS de acordo com o produto ou serviço. Contudo, essa gradação parece não conferir efetividade ao critério da essencialidade dos bens ou serviços, especialmente com o acréscimo de 2% sobre as prestações de serviços de comunicação, a ser destinado ao Funcep/PB.
Ainda mais quando nos debruçamos sobre a norma que fundamenta a criação do referido fundo. A Constituição, em seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, prescreve que os estados, o Distrito Federal e os municípios devem (observa-se que o modal deôntico da norma H->C é obrigatório) instituir Fundos de Combate à Pobreza.
Mas não só isso. A norma, ao passo que outorga poderes, impõe limitações ao dispor que as receitas para subsidiar esse fundo, no caso dos estados e do Distrito Federal, conforme o § 1º do artigo 82 da CF/88, serão constituídas na forma de um adicional de até 2% sobre a alíquota do ICMS incidente sobre produtos e serviços supérfluos, limitado às condições estabelecidas pela Lei Complementar nº 87/1996. Esta, então, seria uma limitação imposta pela própria norma que atribui a competência para a criação do fundo.
Operações de circulação de mercadorias e transporte
Já quanto à norma que outorga competência para as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre as prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação, além das operações e prestações que se iniciem no exterior — que, como propõe sua denominação, tem como materialidade:
(i) operações relativas à circulação de mercadorias;
(ii) prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal;
(iii) prestações de serviços de comunicação; e
(iv) operações e prestações que se iniciem no exterior, conforme a norma de competência do artigo 155 da Constituição — também possui limitações imposta ao exercício de sua competência.
Com isso, tenhamos em mente que a competência legislativa tributária é a outorga, pela Norma Fundamental, de poderes às pessoas políticas para legiferar, inserindo no sistema normas jurídicas sobre tributos [1].
Assim, ao passo que a Constituição outorga esses poderes ao sujeito competente para criar normas jurídicas, também prescreve o procedimento para tal e impõe limites materiais. Nisso, Tácio Lacerda Gama [2] trabalha a ideia de que essa norma de competência estabelece, em seu antecedente, limites formais e, em seu consequente, limites materiais, isto é, o conteúdo da norma instituída, observando os princípios, imunidades e outros enunciados que regulam a matéria.
Assim, da mesma forma que a Constituição outorga poderes aos entes para legislar sobre sua parcela tributária, estabelece também limites para seu exercício. Nessa sistemática, as normas a serem inseridas no (sub)sistema infraconstitucional tributário devem respeitar os limites postos pelo (sub)sistema constitucional, especialmente o (sub)sistema constitucional tributário.
Violação à seletividade e essencialidade
Voltando objetivamente à Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.716/PB, alega-se que a norma infraconstitucional inserida pelo ente competente viola os limites materiais estabelecidos pela Constituição, como a seletividade e a essencialidade. Nessa análise, é importante considerar que o artigo 155, § 2º, III, da Constituição dispõe que o ICMS poderá ser seletivo em razão da essencialidade das mercadorias e dos serviços, ou seja, trata-se de um modal permissivo. De forma inversa, acontece com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cuja norma possui caráter obrigatório (artigo 153, § 3º, I, CF/88), determinando que essa espécie de imposto deve ser seletiva, a fim de diferenciar mercadorias e serviços conforme sua essencialidade.
Contudo, ao professor Roque Antonio Carrazza [3], o ICMS “deverá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Para o mestre paulista, trata-se de uma norma constitucional cogente, cuja observância é obrigatória. Assim, neste contexto, atribui-se àquela norma um modal deôntico obrigatório. De forma contrária, posiciona-se o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho [4].
No entanto, ao que parece, o Supremo alinha-se à ponderação feita pelo professor Hugo de Brito Machado Segundo [5], ao afirmar que o texto constitucional não impõe aos entes a obrigação de adotarem a seletividade do ICMS. Contudo, uma vez que a seletividade é adotada pelo ente outorgado, este deverá dar efetividade ao preceito constitucional.
Com isso em mente, vale refletir acerca da seletividade. Para Aliomar Baleeiro [6], a seletividade opera na discriminação de alíquotas diferenciadas, isto é, de forma gradativa (para mais ou para menos), de acordo com a natureza da mercadoria. Por outra, quanto mais essencial é tida a mercadoria ou serviço, menor deverá ser a alíquota; de modo inverso, quanto menos essencial (ou mais supérfluo) é tida, maior deverá ser alíquota. É senão um expediente fundado no sobreprincípio da isonomia.
Alíquota superior em energia elétrica e telecomunicação
Vale dizer que, juntamente com a discussão da faculdade da seletividade, o legislador constitucional atribui uma discricionariedade ao legislador recebedor da competência, ao deixar indeterminado o conceito do que é essencial. A essa discricionariedade caberá ao poder judiciário verificar “a partir da adequação do meio (princípio da seletividade) e o fim almejado pelo constituinte originário (garantia da dignidade da pessoa humana)” [7].
Tanto é que, em uma controvérsia muito semelhante, o Recurso Extraordinário (RE) nº 714139/SC repercutiu no Tema 745. Nesse caso, o RE questionou um acórdão da Quarta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que declarou a constitucionalidade do artigo 19, inciso I, alínea ‘a’, da Lei Estadual nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996. Essa norma previa, em relação ao ICMS incidente sobre o fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicação, uma alíquota de 25%, superior àquela estabelecida para as operações em geral (17%).
Assim, após o recurso extraordinário, coube ao STF resolver a controvérsia circunscrita à questão de saber se era constitucional à luz dos artigos 150, II, e 155, § 2º, III, da Constituição, o artigo 19, I, a, da Lei 10.297/1996 de Santa Catarina, que estabeleceu alíquota diferenciada de 25% para o ICMS incidente sobre o fornecimento de energia elétrica e os serviços de telecomunicação, ao passo que para as “operações em geral” é aplicada a alíquota de 17%.
A tese fixada pelo Tribunal Constitucional foi a de que, uma vez que o legislador estadual adota a técnica da seletividade em relação ao ICMS, não é congruente que ele estabeleça alíquotas para as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em um patamar superior ao aplicado às operações em geral, tendo em vista a essencialidade dos bens e serviços.
Serviços essenciais para a dignidade humana
Ainda, nas razões desse julgamento, o Supremo entendeu que a energia elétrica possui a natureza essencial à garantia da dignidade humana, independentemente do consumidor ou da quantidade consumida. Em relação aos serviços de telecomunicação, a posição foi a mesma. A justificativa da essencialidade, no caso, se deu fundamentada na utilidade social do produto e do serviço, considerados serviços públicos conforme o artigo 21, incisos XI e XII, alínea ‘b’, e no artigo 10 da Lei nº 7.883/1989.
Adicionalmente, foi introduzida no sistema a Lei Complementar 194, de 23 de junho de 2022, que dispõe sobre a classificação de combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo como bens e serviços essenciais e indispensáveis.
Assim, é possível dizer que (i) está clara a atribuição de natureza de bens essenciais à garantia da dignidade da pessoa humana ao serviços de telecomunicação e energia elétrica, reconhecida pelo tribunal constitucional; (ii) o preceito constitucional da seletividade do ICMS detém, segundo o STF, um modal deôntico condicionado, isto é, o Ente poderá se valer da essencialidade, mas, uma vez feito, deverá dar-lhe efetividade; (iii) o adicional de receita ao fundo da pobreza deverá recair sobre produtos supérfluos.
É evidente que a Paraíba exerceu a tributação das operações conforme o disposto no artigo 155, § 2º, III, da Constituição, estabelecendo alíquotas distintas de ICMS de acordo com o produto ou serviço. Ou seja, ao optar pela aplicação facultativa de uma tributação seletiva sobre os bens e serviços, deveria fazê-lo de forma a assegurar a efetividade da seletividade, considerando a essencialidade dos serviços de comunicação, já reconhecidos como essenciais pelo STF.
De modo que se mostra inconstitucional não só por violar a limitação imposta pela Constituição no que diz respeito à seletividade em razão da essencialidade do produto ou serviço (artigo 155, § 2º, III), mas também pela limitação imposta pelo artigo 82, § 1º, do ADCT, que permite que o adicional seja aplicado somente sobre produtos e serviços supérfluos, que já foi reconhecido como essencial (não supérfluo) tanto pelo STF quanto pela Lei Complementar nº 194/2022.
[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 6ª ed. São Paulo: Noeses, 2015. p. 248.
[2] GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: Fundamentos para uma Teoria da Nulidade. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2020. p. 104.
[3] CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 538
[4] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 326.
[5] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A tributação da energia elétrica e a seletividade do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 62, São Paulo, dialética, 2000, p. 73.
[6] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Por Mizabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
[7] MIGUEL ROMANINI, Carolina. Princípio da Seletividade: A Essencialidade como Critério Constitucional para Fixação de Alíquotas do ICMS. p. 282.