A postura contraditória da Receita Federal do Brasil em relação à dedutibilidade dos juros pagos em parcelamento fiscal
O direito tributário é um dos ramos mais complexos do direito brasileiro. A legislação costuma comportar interpretações para ambos os lados (contribuintes e Fisco), e não são raras as vezes em que discussões vão parar nos Tribunais administrativos e judiciais do País.
Para evitar que todas as discussões cheguem a tal ponto, cabe aos órgãos fazendários expressar com clareza os seus posicionamentos e agir de acordo, de modo a garantir segurança aos contribuintes sobre como proceder.
O fundamento jurídico de tal afirmação é a observância ao Princípio da Segurança Jurídica, previsto na Constituição Federal. Os contribuintes precisam ter um parâmetro claro sobre o posicionamento dos órgãos fazendários para saber como agir.
A alteração brusca de um posicionamento consolidado sem uma motivação coerente, além de ferir o Princípio da Segurança Jurídica, aumenta o número de processos perante o Poder Judiciário, que, como se sabe, já é assoberbado.
Nesse contexto é que se traz críticas à conclusão da Solução de Consulta COSIT nº 101, de 28 de Setembro de 2020, no sentido de que os juros moratórios incidentes sobre débitos de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”) parcelados nos termos da Lei nº 13.496/2017 (que instituiu o programa denominado “PERT”) são indedutíveis da base de cálculo dos referidos tributos.
Desde 1974, a Receita Federal do Brasil, por meio do Parecer Normativo CST nº 174, já havia consolidado o seu entendimento sobre o assunto: os acréscimos moratórios incidentes sobre o pagamento de tributos são despesas financeiras, e, portanto, dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Tal entendimento foi reiterado em outras oportunidades, como, por exemplo, na Solução de Consulta nº 66/2011.
Na Solução de Consulta COSIT nº 101/2020, entretanto, a Receita Federal do Brasil afirma que, considerando que o IRPJ e a CSLL são indedutíveis de suas próprias bases, os respectivos juros deveriam ter o mesmo tratamento, pois “os juros moratórios devem seguir a mesma natureza dos débitos sobre os quais incidem.”
Do ponto de vista técnico, tal entendimento é absolutamente questionável. Apesar de os juros moratórios serem um acessório do principal, nem sempre o legislador atribui o mesmo tratamento a ambos.
Um exemplo é o caso ora discutido: a legislação indiscutivelmente veda a dedutibilidade dos valores pagos a título de IRPJ e CSLL de suas próprias bases, mas em relação aos juros, existe autorização expressa para a sua dedução.
Além disso, os juros não tiveram a sua natureza alterada. Estes são e sempre foram um acessório do imposto principal, de modo que tal ponto tampouco justifica a súbita mudança de entendimento.
A Receita Federal do Brasil também justifica a mudança nas Soluções Cosit nº 9/2012 e 208/2015, contudo, tais Soluções de Consulta se referem a situações concretas diversas da presentes.
A Solução Cosit nº 09/2012 tem por objeto a dedutibilidade de tributos com exigibilidade suspensa da base de cálculo da CSLL, à luz do artigo 41, §1º, da Lei nº 8.981/95. Quanto à Solução Cosit nº 208/2015, esta versa sobre a dedutibilidade de ICMS pago não recuperável na escrita fiscal da apuração do lucro real. São discussões distintas daquela tratada na Solução de Consulta COSIT nº 101/2020.
Além disso, ao se manifestar sobre a dedutibilidade dos juros moratórios decorrentes do pagamento em atraso dos impostos, ambas as decisões confirmam que os juros são receitas financeiras, e, portanto, dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, na mesma linha do Parecer Normativo CST nº 174/1974.
Dessa forma, é no mínimo contraditória a postura da Receita Federal do Brasil de alterar um entendimento tão antigo sem justa motivação, já que não houve alteração legislativa e sequer existe um fundamento claro (até mesmo dentro da própria Receita Federal do Brasil) para tanto.
Se a dedutibilidade dos juros moratórios decorrente do pagamento em atraso dos impostos está prevista na legislação e sempre foi reconhecida pela Receita Federal do Brasil, qual é a razão para um entendimento diverso agora?
A brusca mudança traz insegurança jurídica e afeta o planejamento feito pelos contribuintes em suas atividades, o que deverá aumentar o inesgotável acervo de processos do Poder Judiciário.
Ganhar ou perder são circunstâncias comuns para quem atua com o direito tributário, mas ter que discutir uma questão sobre a qual nunca houve controvérsia, em razão de uma mudança de entendimento unilateral e desmotivada por parte do Fisco, foge do simples ganhar ou perder e evidencia a origem de parte dos problemas tributários enfrentados pelos contribuintes no País.
Gustavo Treistman – advogado da área tributária do Veirano Advogados