A inconstitucionalidade da incidência do IPI na revenda de produtos importados
Justo quando o país se dedica à análise dos programas de governo dos candidatos à Presidência da República e uma reforma tributária, com menos custos e burocracia, fortalecimento da economia nacional, nos deparamos com flagrante violação a diversos princípios constitucionais que deveriam nortear o sistema tributário nacional. Em decisão proferida nos Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.403.532/SC, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na simples revenda de produtos importados — o que nada mais é senão a dupla incidência do mesmo tributo.
No caso dos produtos importados, o próprio entendimento do Supremo Tribunal Federal é que o ciclo de industrialização termina com o desembaraço aduaneiro do produto importado, a não ser que seja revendido a industrial para continuar num processo de industrialização (RE 753.651/PR). Portanto, é completamente descabido deduzir que isso possa abranger, também, o comerciante que realize operações relativas à circulação de mercadorias, sejam elas nacionais ou importadas/nacionalizadas, industrializadas ou não. Exigir o pagamento do IPI em operações de comercialização, fora do ciclo de industrialização, constitui flagrante violação da discriminação constitucional das rendas tributárias e invasão inconstitucional de competência de estados e Distrito Federal de sujeitá-las ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias).
A decisão do STJ também fere os princípios constitucionais da isonomia, neutralidade tributária e da livre concorrência, tendo em vista que a carga fiscal que onera o produto importado é muito maior que a incidente no produto nacional. Além do próprio IPI e do ICMS, comuns a ambos, o produto importado ainda é alcançado pelo Imposto de Importação, pelas contribuições do PIS e Cofins-importação, Cide-importação, Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e pela Taxa de utilização do Siscomex.
A carga excessiva da dupla incidência do IPI prejudica a neutralidade concorrencial do IPI, obrigando os importadores a praticar preços muito superiores aos de seus concorrentes nacionais. Cabe à própria indústria brasileira tomar as medidas necessárias para garantir a competitividade de seus produtos e não repassar ao consumidor final do produto importado, que é o contribuinte de fato, o ônus da proteção do mercado de produtos nacionais.
A dupla incidência do IPI atinge, seriamente, a segurança jurídica em matéria tributária, tanto na esfera doméstica, em que fere o princípio da legalidade, afrontando dispositivo expresso do Código Tributário Nacional (artigo 51, III), como no âmbito internacional. O General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) estabelece que o produto oriundo de países membros da OMC, signatários do GATT, como o Brasil, deve receber tratamento igualitário em face do similar nacional. Como este não sofre a incidência do IPI na fase de comercialização, o GATT proíbe essa tributação sobre a simples revenda de produtos importados.
Estudo técnico, elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a pedido da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), constata que a eliminação da “dupla incidência do IPI” não acarreta diminuição de arrecadação/receita, ao contrário, pode promover seu aumento pelo maior acesso de produtos importados pelas empresas e consumidores. Por outro lado, o estudo aponta uma série de consequências nefastas da dupla incidência do IPI, ilegal e inconstitucional: inexistência ou escassez do produto importado, ocasionando uma reserva de mercado, falta de concorrência, aumento de preço do produto nacional, redução de emprego em toda a cadeia de valor e falta ou atraso de inovação tecnológica.
O consumidor brasileiro, já tão impactado pelo desemprego e endividamento, bem como os comerciantes, cujas possibilidades de investimento estão cada vez menores, ainda têm esperança de que o STF, nesta quarta-feira (31/10), reconheça a inconstitucionalidade da dupla incidência do IPI, no desembaraço aduaneiro e na simples revenda do produto importado. Seus ministros, certamente, saberão desempenhar a responsável função de guardiões da Constituição Federal e de seus princípios, restabelecendo a segurança jurídica e protegendo o consumidor brasileiro contra a tributação ilegal e inconstitucional.
Gerd Willi Rothmann é advogado, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e colaborador da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)
Dr. Gerd Willi Rothmann, brilhante análise acerca da inconstitucionalidade da incidência do IPI na revenda de produtos importados. Parabéns.
É evidente que não pode haver uma alíquota unica para o IRPF, pois o critério da progressividade está implícito na CF 88. O isomorfismo indicado é totalmente anti social pois nos leva a tratar igualmente os menos ricos aos mais ricos (riqueza econômica). Sendo qualquer tributo uma prestação pecuniária, ou seja envolve uma contrapartida do Estado, não poderá haver tratamento econômico de forma isonômica. Se atualmente tributamos em 22,5% quem ganha praticamente até 5 Salários Mínimos e daí para cima a alíquota de tributação é unica (27,5%) privilegiamos os mais ricos. E ainda a CF 88 apresenta o Principio da Capacidade Econômica na ação do Executivo em tributar, ou seja, quem ganha mais deve sofrer, na progressividade da tributação um maior % de tributação, como é em praticamente em todo o mundo.
Acresce-se a isso q. mesmo após 30 anos da CF 88 não foi regulamentado o Imposto sobre Grandes Fortunas pois o Congresso legisla em causa própria.