Senado pode barrar impostos gêmeos da reforma tributária
O Senado pode evitar que dois tributos gêmeos criados pela reforma tributária se tornem irremediavelmente distintos entre si. Para isso, seria necessário fazer ajustes no texto aprovado na Câmara dos Deputados em julho.
Essa é a avaliação do tributarista Marcus Lívio, sócio do escritório Salomão Advogados. Ele é também um dos cinco especialistas escolhidos para dar suporte técnico ao grupo de trabalho da reforma tributária da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
Lívio coordenou ainda o Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro, iniciativa do (Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que resultou em oito projetos de lei que visam prevenir litígios e propor métodos para solucioná-los.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, que trata da reforma tributária, previa originalmente a fusão de cinco tributos em apenas um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) sobre bens e serviços dividido por União, estados e municípios.
A versão aprovada na Câmara em julho passou a trabalhar com dois: uma contribuição federal (CBS) e um imposto controlado por governadores e prefeitos (IBS). A separação em dois tributos era uma proposta do próprio Senado que foi acolhida pelos deputados.
“A PEC 45 prevê que o IBS e o CBS serão tributos gêmeos. Terão o mesmo fato gerador, a mesma base de cálculo, as mesmas regras de imunidade, as mesmas isenções e tudo mais. O grande problema é que o projeto original era pensado para um IVA único. Tomou-se a decisão de fazer um IVA dual, separando IBS e CBS, mas não se atentaram à possibilidade de conflitos processuais ou possíveis contenciosos”, afirma o tributarista.
O primeiro conflito, segundo ele, se dará na regulamentação da reforma, esperada para 2024. A Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, do Ministério da Fazenda, prevê que esses dois novos tributos serão regulados por uma única lei complementar. Mas o texto da PEC dá poder à União para regular a CBS e diz que a iniciativa de lei complementar que trate do IBS caberá ao Conselho Federativo formado por estados e municípios.
“Teremos duas leis complementares, causando possíveis assimetrias e distanciamento entre esses dois tributos gêmeos, ou uma única lei para regulamentar os dois tributos, o que seria o ideal. Mas o texto da PEC 45 não deixa isso claro”, adverte o especialista.
Segundo o tributarista, mesmo se for editada apenas uma legislação complementar, pode haver conflito a partir da edição de outras normas, caso Receita Federal e Conselho Federativo tenham poderes para fazer cada um sua própria interpretação dessa legislação.
Posteriormente, os questionamentos dos contribuintes serão analisados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em relação à CBS e por um tribunal administrativo vinculado ao Conselho Federativo nos julgamentos do IBS. Haveria então a possibilidade de duas jurisprudências administrativas, uma para cada tributo.
O mesmo pode ocorrer no Judiciário. Casos referentes à CBS irão para a Justiça Federal. Para o IBS, a competência será da Justiça Estadual.
Regulamentação
O tributarista afirma que um bom caminho seria trazer tudo para a esfera federal, ou seja, que a Receita Federal fizesse uma regulamentação única para IBS e CBS.
Ele diz que, se não houver uma alteração na PEC unificando a regulamentação, seja ela feita toda pela União ou toda pelo Conselho Federativo, unificando o julgamento administrativo e a competência na Justiça Federal ou Justiça Estadual, a reforma tributária vai gerar um contencioso derivado desses aspectos processuais.
“Podemos ter dois diplomas regulamentadores, que vão gerar duas interpretações. Teremos dois órgãos (administrativos) de julgamento distintos e, depois, se tivermos conflitos judicializados, teremos duas Justiças competentes. A gente vai ter um distanciamento natural dos dois tributos”, afirma o tributarista.
Lívio diz que pretende levar essas preocupações ao grupo de trabalho da reforma na CAE, coordenado pelo senador Efraim Filho (União-PB). A comissão trabalha em conjunto com o relator da reforma no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM).
“Pretendo levar essas preocupações a ele (Efraim), de forma que a gente possa fazer essa harmonização ainda agora na fase de tramitação no Senado da PEC 45. Esses problemas só podem ser resolvidos na PEC. A lei complementar não tem como resolver. Se não for agora, o problema já está posto.”
O IVA Dual fazia parte da PEC 110, proposta de reforma tributária apresentada pelo Senado. Segundo Lívio, essa proposta também não previa uma solução para esses conflitos de competência.
Fonte: Folhapress