Punição a quem não cumprir a Lei das Micro
“Penso que é chegado o momento de os TCs passarem a responsabilizar aqueles gestores que deixarem de cumprir as regras da referida Lei Geral”, afirma Valdecir Pascoal, que passa a ocupar a presidência da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas.
Segundo Pascoal, os administradores municipais envolvidos nessas irregularidades podem sofrer multas e até mesmo ficarem inelegíveis se tiverem suas contas rejeitadas pelos Tribunais de Contas em razão do não cumprimento das normas estabelecidas pela Lei Geral.
“É importante deixar registrado, de pronto, que os TCS não tornam, diretamente, agentes públicos inelegíveis. Isso é papel da Justiça Eleitoral. Ocorre que a principal causa que pode tornar um gestor público inelegível decorre do julgamento de suas contas pelos TCS. Caso tenham suas contas julgadas irregulares pelo TC e se a Justiça Eleitoral entender que aquelas irregularidades caracterizam atos de improbidade dolosa [irregularidades graves], aquele gestor ficará inelegível. A Lei da Ficha Limpa é, de fato, um marco importante para o aperfeiçoamento de nossa democracia, de nossa governança pública e a atuação dos TCs é decisiva para a efetividade da lei. E todos nós temos atuado muito bem neste mister”, disse Pascoal.
Editada em 2006, essa legislação prevê vantagens para micro e pequenas empresas e para os empreendedores individuais (MEIs) nas compras governamentais, a exemplo de exclusividade do segmento nas licitações até R$ 80 mil e desempate na concorrência com médias e grandes empresas.
Confira os principais trechos da entrevista:
DCI – Qual a sua avaliação sobre a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), inicialmente para obras da Copa e das Olimpíadas, depois para saúde, educação, obras do PAC e agora há uma proposta para os presídios?
Valdecir Pascoal – Vejo de forma positiva o RDC, pois essa nova modalidade de licitação trouxe inovações em prol da eficiência e da economicidade. A lei foi muito adequada ao limitar a aplicação dessa nova modalidade a objetos estratégicos do País, como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos e as ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Algumas dessas obras têm data de entrega já fixada em compromissos internacionais e, devido à sua magnitude, o procedimento ordinário de licitação não seria o mais eficiente. O RDC também acerta quando prevê mecanismos para a redução do custo das obras pois, por exemplo, o contratado assume a responsabilidade pela execução global de todas as etapas da obra, bem como pelos riscos inerentes. É importante destacar que essas mudanças de procedimento do RDC não afetaram os órgãos de controle e a transparência. Os TCs têm exercido sua fiscalização nas obras regidas pelo RDC da mesma maneira que auditam as obras decorrentes de outras modalidades de contratação. Certamente essas últimas experiências levarão o legislador a efetuar as devidas correções neste procedimento. Os Tribunais de Contas poderão colaborar com os Poderes Executivo e Legislativo com vistas ao aperfeiçoamento não só da lei especial do RDC [como fez o TCU, com proficiência], mas também no novo, e fundamental, projeto de lei, ora tramitando no Congresso, que substituirá a Lei 8.666/93. Simplificar e agilizar os procedimentos licitatórios sem mitigar a legalidade, a impessoalidade e a eficiência da gestão pública é o grande desafio com que nos deparamos nesse tema.
DCI – Em quais condições os TCs podem tornar inelegíveis os atuais ocupantes de cargos públicos para as próximas eleições? Os TCs seguem os mandamentos da Lei da Ficha Limpa?
VP – É importante deixar registrado, de pronto, que os TCS não tornam, diretamente, agentes públicos inelegíveis. Isso é papel da Justiça Eleitoral. Ocorre que a principal causa que pode tornar um gestor público inelegível decorre do julgamento de suas contas pelos TCS. Caso tenham suas contas julgadas irregulares pelo TC e se a Justiça Eleitoral entender que aquelas irregularidades caracterizam atos de improbidade dolosa [irregularidades graves], aquele gestor ficará inelegível. A Lei da Ficha Limpa é, de fato, um marco importante para o aperfeiçoamento de nossa democracia, de nossa governança pública e a atuação dos Tribunais de Contas é decisiva para a efetividade da lei. E todos nós temos atuado muito bem neste mister.
DCI – O Tribunal de Contas da União anunciou que conseguiu reaver R$ 300 milhões em 2012 referentes a recursos públicos que foram desviados ou mal utilizados. O senhor tem uma avaliação sobre quanto os TCs conseguem reaver para o erário?
VP – Os dados apontam que o índice de ressarcimento – que depende fundamentalmente das ações movidas pelo próprio erário-credor, e não do Tribunal – ainda é baixo. Não obstante, é a atuação preventiva dos TCs – aquela que decorre do nosso poder cautelar, especialmente quando se analisa os editais de licitação e os seus orçamentos – que vem gerando relevante economia para os erários. Essa ação preventiva que o TCU e a grande maioria dos TCs vêm realizando é, sem dúvida, a mais efetiva. Com isso, evitamos o dano, o desperdício, o superfaturamento, o desvio, seja decorrente de negligência do gestor, seja decorrente de atos de corrupção. Prevenir, respeitando-se o equilíbrio entre o tempo da gestão e o tempo do controle, é sempre melhor do que se remediar.
DCI – Qual é a posição da Atricon à aplicação da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas por todos os municípios brasileiros? Prosseguirá na sua gestão a parceria com o Sebrae?
VP – Com certeza deveremos dar continuidade a essa iniciativa. Os TCs não podem se omitir na defesa da efetividade dessa importante lei, seja porque ela traz regras especiais e obrigatórias em relação às compras governamentais, seja porque ela poderá colaborar com a eficiência do gasto e o desenvolvimento econômico local, o que, por conseguinte, melhorará os indicadores fiscais do ente federativo, especialmente dos municípios, que podem incrementar a arrecadação de suas receitas próprias e incentivar o empreendedorismo local. Nessa profícua parceria, também iniciada na emblemática gestão anterior, tivemos uma primeira etapa de encontros de sensibilização, mas penso que é chegado o momento de os Tribunais de Contas passarem a responsabilizar aqueles gestores que deixarem de cumprir as regras da referida Lei Geral.
DCI – Quais sanções as prefeituras podem sofrer se não aplicarem as exigências da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, especialmente no que se refere a tratamento diferenciado para o segmento?
VP – A omissão deliberada no cumprimento dessas regras pode gerar multas, ensejar o pronunciamento dos Tribunais quanto à irregularidade das contas dos gestores responsáveis, o que, como vimos, pode até resultar na inelegibilidade desses agentes.
DCI – Como enfrentar a carência de capacitação dos gestores e técnicos públicos para a aplicação correta da medida?
VP – Esse é de fato um dos grandes desafios da administração pública brasileira. Como vem dizendo com propriedade o presidente do TCU e da Organização Latino-americana e do Caribe de Entidades Fiscalizadoras (Olacefs), ministro Augusto Nardes, o nível de governança pública no Brasil é um problema estrutural. Com efeito, estamos longe, especialmente nos pequenos municípios, de um grau de governança pública adequado. Basta dizer que o planejamento estratégico não é uma realidade, os sistemas de controle interno não estão estruturados, a transparência ainda enfrenta obstáculos e o quadro de servidores, no mais das vezes, não está capacitado para estes grandes desafios. É um problema de todos nós. Os TCs procuram atenuar essa realidade a partir de capacitações oferecidas por suas Escolas de Contas e pelo importante Instituto Rui Barbosa. Mas a resolução definitiva desse problema passa necessariamente por uma reforma do nosso pacto federativo e de uma reforma educacional estrutural.
DCI – SP