Mas Riveros destaca que isso é apenas um exercício, já que ainda não se sabe como será efetivamente o modelo de tributação que será apresentado pelo governo, nem qual o universo de fundos que serão objetivamente afetados pela mudança.

Michael Viriato, da Casa do Investidor, observa que a mudança na tributação pode levar muitos investidores a buscarem escapar do imposto, transformando seus fundos exclusivos em fundos previdenciários ou fundos de ação, que são isentos de come-cotas. Isso reduziria a base de arrecadação do governo com a tributação dos fundos dos “super-ricos” à frente.

Já Yihao Lin, economista na gestora de recursos Genial Investimentos, acredita que os R$ 10 bilhões de arrecadação são factíveis, considerando a possibilidade de tributação dos estoques.

“Víamos com ceticismo estimativas mais altas – o governo chegou a falar em uma arrecadação potencial de R$ 17 bilhões com a instituição desse tributo sobre os fundos exclusivos –, mas a estimativa de R$ 10 bilhões é próxima do que foi previsto pelo governo Temer”, lembra Lin.

Ele observa, porém, que esse efeito da tributação sobre os estoques seria pontual, com a arrecadação proveniente da incidência semestral do come-cotas sendo pouco significativa.

Assim, a tributação dos fundos dos super ricos pode ajudar a reduzir o déficit em 2024 – estimado pela Genial em 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto) ou R$ 120 bilhões –, mas o problema do equilíbrio fiscal nos anos seguintes permanece.

“Nos próximos anos, o governo vai ter que correr atrás de receitas para conseguir sanar os déficits, e a taxação dos fundos exclusivos é parte desse trabalho de formiguinha”, diz Lin.

Ele observa, porém, que um equilíbrio fiscal sustentável dependerá de o governo conseguir fontes de arrecadação permanentes – o que é difícil, pois dependeria de maior crescimento ou de um aumento da carga tributária num país onde os impostos já são bastante elevados.

Ou então seria necessário reduzir o volume de gastos, o que não parece estar nos planos do governo petista, eleito com a promessa de retomada de políticas públicas em diversas frentes.

Questão de justiça tributária

Se discordam quanto ao potencial de arrecadação da mudança na tributação dos fundos dos “super-ricos”, os especialistas consultados concordam quanto à justiça da medida.

“Essa medida deveria ter sido aprovada há anos, não faz o menor sentido essa brecha que foi criada”, diz Viriato, da Casa dos Investidores.

“Não é que eu seja a favor de tributar os mais ricos, é que foram criados dois veículos de investimentos similares [o fundo exclusivo e o fundo aberto] com impostos diferentes, não faz sentido algum”, afirma o assessor de investimentos.

“De fato existem distorções, então realmente é uma medida que visa tornar mais igualitária a tributação da renda, mas acredito que essa medida e outras que estão sendo pensadas pelo governo [na tributação de renda], como o fim do JCP, vão enfrentar resistência significativa no Congresso”, diz Lin, da Genial Investimentos.

Prédio rico com piscinas na varanda ao lado da favela de Paraisópolis, em São Paulo

‘Sem ampliar a tributação dos mais ricos, fica muito difícil para o Estado conseguir reduzir os tributos sobre os mais pobres’, diz coordenador da campanha ‘Tributar os Super-Ricos’.

O auditor fiscal Dão Real Pereira dos Santos, presidente do Instituto Justiça Fiscal e coordenador da campanha “Tributar os Super-Ricos”, acredita que será preciso vencer essa resistência para tornar o sistema tributário brasileiro mais progressivo – isto é, com ricos pagando mais impostos e pobres pagando menos.

Ele defende que, além das medidas já anunciadas pelo governo de mudanças na tributação da renda, são necessários outros avanços, como o aumento da faixa de isenção do IR para rendas de até R$ 5 mil (uma promessa de campanha de Lula), a taxação de lucros e dividendos e a criação de um Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), conforme previsto na Constituição.

“Sem ampliar a tributação dos mais ricos, fica muito difícil para o Estado conseguir reduzir os tributos sobre os mais pobres”, diz o auditor fiscal.

“É preciso enfrentar a iniquidade do sistema tributário para conseguirmos resolver nossos problemas sociais históricos, enfrentar a desigualdade e promover o desenvolvimento econômico.”