Escritórios são condenados por contratação irregular de advogado
Grandes escritórios de advocacia têm sido condenados por contratar advogados considerados funcionários como sócios ou associados da banca. Os processos, que em alguns casos chegam a ser milionários, são resultado de uma ofensiva do Ministério Público do Trabalho (MPT) contra uma prática comum no mercado. De todas as decisões cabem recursos.
No Rio de Janeiro foram abertas 29 investigações pelo MPT e já existe uma condenação. Em São Paulo foram 116 denúncias desde 2003, que não englobam somente contratação irregular. Desse total, quatro geraram ações civis públicas e duas delas foram arquivadas após a celebração de acordo. No Estado de Minas Gerais são 12 inquéritos e uma condenação. E em Pernambuco, 13 investigações três já resultaram em ações.
As denúncias contra os escritórios de advocacia têm crescido muito nos últimos dois anos, segundo o procurador Rodrigo Carelli, do MPT do Rio de Janeiro. O foco principal são as bancas dedicadas ao contencioso de massa responsáveis pela defesa de companhias com grande número de processos similares.
“Está ocorrendo uma proletarização absurda da profissão. Os escritórios de advocacia estão se transformando em empresas e não querem reconhecer esses advogados, que cuidam dessas ações de massa, como empregados”, diz o procurador.
Recentemente, a banca mineira Ferreira e Chagas foi condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) local a pagar R$ 100 mil por dano moral coletivo. Segundo a decisão, o escritório teria desvirtuado o contrato de associação de advogados para não reconhecer o vínculo empregatício de 68 advogados em Belo Horizonte.
Segundo o procurador Genderson Lisboa, que hoje conduz a ação, “os advogados associados cumprem horário, têm seu trabalho fiscalizado por coordenadores, recebem ordens e salário fixo, uma dinâmica que revela claramente os pressupostos da relação de emprego: não eventualidade, pessoalidade, subordinação e onerosidade”.
No Estado do Rio de Janeiro, os escritórios Carlos Mafra de Laet Advogados e o Lopes & Reiff Advogados foram condenados, em primeira instância, a pagar conjuntamente R$ 5 milhões por danos morais coletivo. De acordo com o processo, cerca de cem advogados eram registrados como sócios no escritório Lopes & Reiff, com o único objetivo de prestar serviços à banca Carlos Mafra de Laet, “em relação de subordinação e claro vínculo de emprego”.
Em Recife, o Rocha Marinho e Sales Advogados Associados aguarda recurso no Tribunal Superior do Trabalho contra condenação de R$ 50 mil do TRT de Pernambuco, de 2013. Segundo o processo, os advogados tinham remuneração fixa de R$ 1,59 mil e não recebiam nenhum outro benefício, devendo tarefas diárias e metas de produtividade.
O Siqueira Castro Advogados e o Frutuoso Advogados também respondem a ações propostas pelo MPT de Pernambuco. Nos dois casos, o órgão pede R$ 200 mil de indenização por danos morais coletivos. Por liminar, foi determinado que escritório Frutuoso pare de contratar advogados como associados, quando houver relação de emprego, porém a liminar foi derrubada no TRT.
Em todos os casos, antes de entrar com as ações, o MPT tentou um acordo por meio de um termo de ajuste de conduta (TAC). Porém, sem sucesso. Em geral, esses advogados atuam nos Juizados Especiais ou em processos de menor valor, em questões de massa, e não têm qualquer participação efetiva como sócios da banca, segundo o procurador fluminense Rodrigo Carelli.
“Esses advogados trabalham como operários jurídicos, em uma linha de produção nada intelectualizada, em peças repetitivas, e não têm seus direitos trabalhistas assegurados e também não possuem participação nos lucros e resultados”, diz Carelli.
Diante do aumento de casos, o MPT do Rio realizou audiência pública em agosto com bancas e representantes de entidades de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “A precarização do trabalho foi um ponto comum. Mas há uma certa resistência dos grandes escritórios, já que a prática barateia muito a mão de obra. Se não houver uma proposta, vamos ajuizar novas ações judiciais”, afirma o procurador.
Até pouco tempo, existiam apenas condenações isoladas em ações de advogados que buscaram na Justiça do Trabalho o vínculo de emprego. Agora, com as ações do MPT, as bancas têm sido condenados em ações coletivas, que envolvem valores muito maiores.
Segundo a procuradora Vanessa Patriota da Fonseca, de Pernambuco, a contratação de sócios e associados é permitida pelo Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia. Porém, nos casos analisados, verificouse que o profissional exerce a função de empregado. “O que importa é a realidade dos fatos. Temos detectado um número muito grande de escritórios que simulam essa contratação para esconder a relação de emprego”, diz.
Em alguns escritórios, há associados com 0,0001% das cotas da sociedade, segundo a procuradora. “Quando queremos dizer que uma pessoa não vale nada, dizemos que é um zero à esquerda. Imagina quanto vale um advogado com três zeros à esquerda na participação de um escritório?”
Para ela, “os escritórios de advocacia sabem mais do que ninguém que estão cometendo fraude no contrato de trabalho. Deveriam dar o exemplo, mas se acham imunes à fiscalização”.
O MPT, segundo a procuradora, tem mudado seu entendimento de que os advogados são conhecedores de seus direitos. “A hipossuficiência não vem pela falta de conhecimento, mas pelo medo de ser punido. Esses advogados, muitas vezes recémformados, têm medo de entrar com ações e não conseguir mais trabalho.”
Por meio de sua assessoria de imprensa, o MPT de São Paulo, porém, fez um contraponto em nota enviada ao Valor, ao dizer que não foram constatadas fraudes em todas as denúncias.
Valor Econômico
Parabéns ao(a) autor(a) do artigo pela iniciativa. O tema é pouquíssimo debatido inclusive entre os profissionais. É importante lembrar que além de sofrer com a precarização da relação de trabalho em alguns escritórios de advocacia (o que por si só já é motivo de intensa angústia) as mulheres advogadas – principalmente as recém formadas – também amargam, muitas vezes, o assédio moral/sexual típico desses ambientes de opressão e fraude às premissas trabalhistas.
Parabéns ao MPT, diante da omissão da OAB nos resta apenas sermos socorridos pelo verdadeiro defensor da sociedade: o Ministério Público!