Caso Flávio Bolsonaro pode repercutir no Coaf
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode dar início hoje a uma discussão com potencial para modificar o atual entendimento do papel do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Hoje, o órgão de prevenção à lavagem de dinheiro vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública de Sergio Moro recebe e identifica transações suspeitas de crime e as comunica às autoridades para abertura de investigação, sem necessidade de autorização judicial. O STF pode impor essa obrigação.
Relator do pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) para retirar do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) investigação sobre movimentações financeiras suspeitas do parlamentar, o ministro Marco Aurélio Mello definirá se o caso será mantido com os promotores fluminenses. A investigação está suspensa desde 17 de janeiro, quando o vice-presidente da Corte, ministro Luiz Fux, acolheu liminar da defesa de Flávio Bolsonaro no plantão do recesso judicial.
Marco Aurélio já deixou claro que cassará a liminar e que vai remeter os autos à primeira instância da Justiça estadual do Rio de Janeiro. O ministro seguirá a jurisprudência do STF sobre a prerrogativa de foro. A Corte estabeleceu que o privilégio existirá somente para o exercício do mandato e a atos a ele relacionados.
Marco Aurélio disse ao Valor que considera inconstitucional que uma autorização para realizar análises e comunicações de dados sigilosos não seja previamente solicitada ao Judiciário.
“Minha posição já foi revelada no Plenário. Pela Constituição, a privacidade quanto a dados somente é afastável por ordem do Judiciário e, mesmo assim, visando investigação criminal ou instrução de processo”, afirmou o ministro à reportagem.
Marco Aurélio se referiu ao artigo 5º, inciso 12 º da Constituição, que estabelece ser ” inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro movimentou R$ 632 mil entre 1º de agosto de 2017 e 31 de janeiro de 2018. Foram R$ 337 mil em créditos e R$ 294 mil em débitos. Segundo relatório do Coaf, o valor é incompatível com a renda de Flávio que, à época, recebia vencimentos de R$ 27 mil como deputado estadual no Rio de Janeiro.
Uma eventual mudança preocupa o Ministério Público, a Polícia Federal e outros órgãos de controle. O procurador da República Roberson Pozzobon afirma que os relatórios de inteligência financeira produzidos pelo Coaf não caracterizam quebra do sigilo bancário.
O integrante da força-tarefa da Operação Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF) do Paraná considera que os dados reportados pelo órgão são informações de inteligência que não podem ser usadas como prova nas investigações criminais e denúncias.
“A efetividade do Coaf se dá justamente pelo recebimento de dados do sistema financeiro e pela reunião de indícios de lavagem em uma base de dados. Com esses elementos, elaboram-se relatórios que são apenas conjuntos de informações de inteligência, eles não são prova”.
Na avaliação de Pozzobon, se a lógica de funcionamento do Coaf for invertida, submetendo a unidade de inteligência financeira ao crivo do Judiciário, haverá um esvaziamento do órgão.
“Não faz sentido, porque o Judiciário só atua quando provocado, tem de haver um pedido anterior. Como o Judiciário faria essa avaliação? Isso travaria todo o sistema”.
Atualmente, o fluxo de informações do Coaf tem duas mãos de direção. Primeiro o órgão realiza uma varredura no sistema financeiro e, quando encontra padrões atípicos, que sugerem tentativa de burla, os comunica às autoridades competentes, como a Receita Federal, o Ministério Público e a Polícia Federal.
Também é praxe que investigadores solicitem informações complementares ao Coaf para auxiliar ou ampliar a instrução de procedimentos já em andamento.
Uma recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão de controle e fiscalização de promotores e procuradores da República, traçou diretrizes para o tratamento e metodologia dos dados originados em relatórios do Coaf.
A recomendação de caráter geral nº 4, de 7 de agosto de 2017 estabelece que os relatórios de inteligência espontâneos encaminhados pelo Coaf devem ser registrados como ‘notícia de fato’ e distribuídos para os órgãos com atribuição para instauração de ‘procedimento apuratório cabível’. Segundo a recomendação, dados relacionados a agentes públicos devem ser encaminhados aos órgãos de investigação criminal e de improbidade administrativa.
As notícias de fato devem obedecer prazos e regras de controle.
Fonte: Valor Econômico