Vinculação dos preços propostos na licitação
Há tempos vem sendo travado um embate, principalmente em âmbito administrativo, sobre a vinculação dos preços propostos durante o processo licitatório e os valores efetivamente gastos após a contratação. Comum tal embate nos contratos por empreitada. Expliquemos melhor:
Quando da realização de um certame licitatório para contratação por empreitada, as concorrentes são comumente obrigadas a apresentar a composição dos custos de sua proposta de preços, demonstrando à entidade licitante que sua proposta é exequível.
Dentro dessa composição de custos há a discriminação dos funcionários que irão compor a equipe técnica da licitante e a estimativa de seus salários.
A administração vem entendendo que a empresa não tem liberdade para definir o valor do salário de seu funcionário
Concluída a licitação e assinado o contrato, a empresa vencedora mobiliza seus funcionários para a execução das atividades, pagando a eles o salário que acordarem, normalmente, o salário de mercado. Este é o foco do problema: a administração vem entendendo que a empresa não tem liberdade para definir o valor do salário de seu funcionário. Entende que deve pagar, obrigatoriamente, o valor apresentado na proposta de preços, caracterizando um desequilíbrio contratual o pagamento de valor diferente desse.
O posicionamento da administração pública se baseia, principalmente, no entendimento de que a conduta das empresas em pagar salários diferentes daqueles indicados em suas propostas fere cláusulas contratuais que determinam que a proposta faz parte integrante dos contratos. Portanto, ao deixarem de cumprir a proposta exatamente como apresentada, acabam por descumprir disposições contratuais.
E, com base nesse posicionamento, vem realizando inadvertidamente alterações unilaterais nos contratos, modificando o seu valor para adequá-lo aos custos efetivamente realizados pela empresa com o pagamento da folha de salários.
A nosso ver, a administração pública se equivoca ao agir dessa forma. Os valores apresentados na composição de custos das propostas são somente estimativos para comprovar a sua exequibilidade. Não podem ser entendidos como um compromisso e, muito menos, uma obrigação de pagamento. A relação empregatícia e definição salarial são inerentes ao âmbito privado da atividade empresarial, não podendo a administração se arvorar em regular e/ou interferir nesta relação.
Entendemos que o valor contratado é o preço que a administração deverá, obrigatoriamente, pagar à empresa até a conclusão da obra, independente dos valores efetivamente incorridos durante a execução contratual. Se por um lado a empresa não pode receber mais do que foi contratado, por outro a administração também não pode pagar menos. Nesse contexto, caso a empresa consiga reduzir custos em sua atividade, deve se valer do beneficio. Por outro lado, caso venha a suportar custos maiores, deve arcar com o prejuízo.
O Tribunal de Contas da União (TCU) vinha adotando uma postura favorável à administração pública, chancelando o entendimento de que as empresas deveriam pagar a seus funcionários os exatos valores apresentados em suas propostas, sob pena de caracterizar desequilíbrio econômico financeiro do contrato. Podemos citar como exemplo o acórdão 1.233/2008.
Porém, em recente julgado, o Plenário do TCU jogou nova luz sobre a discussão, alterando a tendência até então verificada naquele órgão. Com base em esclarecedor parecer apresentado pelo representante do Ministério Público, Lucas Rocha Furtado, o TCU manifestou no acórdão 2.215/2012 (TC 010.327/2009-8) que não deve existir qualquer vinculação entre os valores propostos e aqueles gastos na execução do contrato.
Resumidamente, entendeu que “as planilhas de custos servem à avaliação de exequibilidade das propostas oferecidas na licitação, à comparação com os preços de mercado e como parâmetro para aferição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato se este for alcançado por eventos imprevisíveis, não representando um compromisso do contratado sobre o quanto ele vai gastar na aquisição dos insumos necessários, incluída aí a mão de obra”.
Acreditamos que o citado acórdão servirá de base para novas decisões. Em nossa opinião, é acertado e trará maior segurança jurídica aos contratos administrativos, por assegurar que a atividade será remunerada por um valor fixo, sem sujeição das variações decorrentes dos gastos efetivamente incorridos na execução das atividades contratadas.
Glaucus Leonardo Veiga Simas é advogado e coordenador da área de direito administrativo do escritório Henriques Veríssimo & Moreira Advogados