Tudo muda para ficar como está
A saída de Nelson Barbosa do Ministério da Fazenda não mudará a política em vigor. Superávit fiscal reduzido, desonerações de tributos e incentivos a investimentos continuarão sendo anunciados nos próximos meses. O custo da demissão de Barbosa poderá aparecer na redução dos pesos e contrapesos dentro do governo. Tudo dependerá do sucessor escolhido pelo ministro Guido Mantega.
A disputa entre Barbosa e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, não é uma novidade do governo petista. Basta lembrar dos embates entre José Serra (ministro do Planejamento) e Pedro Malan (ministro da Fazenda) no governo Fernando Henrique acerca da política cambial. Ou entre o ex-ministro Antonio Pallocci e a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, quando o assunto era política fiscal.
O que pode fazer diferença, naqueles momentos, assim como agora, é o enfraquecimento do debate. Para usar uma imagem simples, mas que resume o embate atual, o secretário Nelson Barbosa funcionava como a ala “liberal” das discussões e fazia o contraponto aos mais “estatistas”, que querem um papel maior do governo na economia.
Os primeiros sinais de que Barbosa, um economista de formação e orientação “desenvolvimentista”, integrava a ala “liberal” do governo apareceram ainda na discussão das regras para exploração do pré-sal, em 2009. Barbosa defendeu um papel importante para a Petrobras, mas argumentou que a participação obrigatória de 30% em cada poço poderia dificultar investimentos. Ele tinha em mente um modelo com mais abertura para a participação de investidores privados.
Depois do apagão aéreo de 2006, Barbosa passou a defender concessões de aeroportos. Só no ano passado, as primeiras saíram do papel. Nas rodovias, preferia um sistema de garantias, ao fundo com recursos públicos para atrair o setor privado para o financiamento da infraestrutura.
Outro ponto defendido por Barbosa – a redução da meta de superávit primário – deveria ser anunciada como tal e não feita por meio de abatimentos e subterfúgios contábeis, mesmo que legais, como acabou ocorrendo. Isso só para citar alguns dos episódios recentes.
Arno Augustin, por oposição e opiniões, foi se consolidando como chefe da outra ala, a dos “estatistas”. É um equívoco imaginar que Barbosa discordasse do rumo da política econômica ou que Augustin vá estatizar a economia. A discussão entre as duas alas é sobre gradação e forma. A realidade mostra que o governo cede quando vê que suas políticas não vão atrair investidores. O programa de concessões em infraestrutura ou a MP dos Portos são provas disso. Há um custo inegável em tempo e desgaste. Para os críticos, é excessivo e desnecessário. Para o governo, isso é parte do processo de negociação.
A informação de que o ministro Guido Mantega quer trazer um economista de fora do governo para a secretaria-executiva da Fazenda pode indicar que a voz “do contra” não será necessariamente perdida. Mas isso dependerá do perfil de quem vier e do espaço que conquistará. Um economista “alinhado”, fará pouca diferença.
Num governo notório pela centralização de decisões na figura da presidente Dilma Rousseff e pelo canal direto que ela estabelece com seus subordinados, também não bastará um economista talentoso ou um bom formulador. O substituto de Barbosa precisará também ter acesso à presidente para influenciar decisões de governo. Se tiver um perfil técnico, poderá fazer um bom trabalho, mas terá alcance reduzido na comparação com Barbosa.
É sempre possível argumentar que o atual secretário já não era ouvido pela presidente desde que deixou de frequentar com a assiduidade anterior o círculo de assessores mais próximos. Portanto, não faria mais esse contraponto. Ou mesmo que visões tão distintas não podem conviver na mesma equipe. Afinal, até Fernando Henrique Cardoso teve que arbitrar a disputa entre seus ministros e tirou Serra da área econômica.
Mas uma boa política econômica depende de boas discussões. E a qualidade das medidas tomadas cairá caso o governo opte por alguém que não seja “do contra”.
Leandra Peres – editora especializada na cobertura de economia e finanças de Valor Econômico