Tributação do consumo e distribuição de renda
É largamente sabido que tributos sobre o consumo são regressivos, porque as famílias mais pobres consomem uma parcela maior de sua renda que as famílias ricas. É menos conhecido, no entanto, o fato de que, no Brasil, o consumo das famílias ricas é menos tributado que o consumo das famílias pobres.
Dois estudos recentes mostram de forma clara a menor tributação do consumo das famílias de maior renda. O primeiro é o trabalho de Rodrigo Orair e Sérgio Gobetti (Reforma tributária e federalismo fiscal: uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil – texto para discussão Ipea n.º 2.530), no qual se estima que a adoção de uma alíquota uniforme para a tributação de bens e serviços reduziria o custo dos tributos sobre o consumo para os nove primeiros decis da distribuição da renda domiciliar per capita, elevando o custo apenas para os 10% mais ricos. A redução da tributação do consumo (medida como proporção da renda) seria decrescente com a renda, variando de 2,4 pontos porcentuais, para o primeiro decil, a 0,2 ponto porcentual, para o nono decil. Para o último decil, haveria uma elevação de 1,1 ponto porcentual do peso dos tributos sobre o consumo.
De modo semelhante, estudo dos economistas Edson Domingues e Débora Freire Cardoso (Simulações dos impactos macroeconômicos, setoriais e distributivos da PEC 45/2019 – nota técnica disponível no site do Centro de Cidadania Fiscal) estima que a implementação de uma reforma tributária com a adoção de uma alíquota uniforme para a tributação do consumo resultaria num aumento do poder de compra maior para as famílias de menor renda que para aquelas de maior renda. No cenário-padrão, o aumento do poder de compra (medido como proporção da renda) seria 2,8 pontos porcentuais maior para as famílias com renda de até um salário mínimo (SM) do que para aquelas com renda mensal superior a 30 SM.
Ao estimar o impacto distributivo da adoção de uma alíquota uniforme para a tributação do consumo, esses dois estudos deixam claro que, atualmente, a cesta de consumo das famílias ricas é menos tributada que a cesta de consumo das famílias pobres no Brasil.
Isso ocorre apesar da desoneração da cesta básica e do princípio constitucional da seletividade – que prevê que bens e serviços essenciais devem ser menos tributados que os supérfluos.
A principal razão para a incidência regressiva do sistema atual é a menor tributação dos serviços relativamente à tributação de mercadorias, uma vez que a participação dos serviços na cesta de consumo é muito maior para as famílias de alta renda. Segundo estimativa realizada com base na última Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, os serviços menos tributados representam 9% do consumo das famílias com renda mensal de até 2 SM e 31% do consumo das famílias com renda superior a 25 SM.
Os resultados dos estudos também deixam claro que a desoneração da cesta básica e o princípio constitucional da seletividade são ineficazes no atingimento de seu objetivo, que seria tornar a tributação do consumo menos regressiva. Como agravante, a adoção de múltiplas alíquotas também piora a qualidade do sistema tributário, ao requerer a classificação de bens e serviços, o que inevitavelmente leva a maior custo de conformidade e maior grau de litígio entre os contribuintes e o Fisco.
É por esse motivo que a PEC 45 propõe a adoção de uma alíquota uniforme para a tributação dos bens e serviços. Complementarmente, propõe-se também um regime de devolução, às famílias de baixa renda (via crédito nos cartões dos programas sociais), de parte relevante do imposto incidente sobre seu consumo – o que elevaria o poder de compra do decil mais pobre da população em pelo menos 5%. O resultado é um sistema que é simultaneamente mais progressivo e mais eficiente que o sistema atual.
Bernard Appy – Diretor do Centro de Cidadania Fiscal