Reforma tributária – Algumas reflexões sobre o “Day After”
Por Bruno Aguiar
A reforma tributária que está em vias de ser promulgada pelo Congresso Nacional elimina os atuais tributos federal, estadual e municipal sobre o consumo (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) a partir de 2026 até 2032 (período de transição de 7 anos), e em seu lugar, institui dois novos tributos sobre o consumo – a CBS e o IBS – popularmente conhecidos como IVA-Dual. Apesar da festa em torno da aprovação da reforma, a ressaca do dia seguinte pode trazer dores de cabeça e exigir remédios amargos.
Vejamos: o atual sistema de tributação do consumo permanece inalterado nos anos de 2024 e 2025. Em 2024, o Congresso Nacional terá a obrigação de deliberar e aprovar a Lei Complementar que regulamentará o IVA-Dual e, até 2025, o Conselho Federativo terá a obrigação de desenvolver, testar e implantar ferramentas de tecnologia fiscal que viabilizarão a apuração, arrecadação e encontro de contas do IVA-Dual com o PIS, COFINS, ICMS e ISS já a partir de 2026.
Primeira dor de cabeça: como implantar uma tecnologia fiscal em âmbito nacional para apurar de forma centralizada o IVA-Dual concomitantemente à apuração e arrecadação descentralizada entre União, Estados e Municípios dos seus respectivos tributos sobre consumo sem ofender a autonomia de cada ente federado? Como alocar no SPED-ICMS o IBS? Como trazer a base de emissão de notas fiscais de mais de 5mil Municípios brasileiros para o IBS? Como recuperar o crédito da não-cumulatividade do IBS em paralelo ao crédito do ICMS? O que fazer com saldos credores de CBS em empresas que hoje acumulam crédito de PIS e COFINS?
Possível remédio: eliminar a transição do IVA-Dual em 2026 e passar a exigir a CBS em 2027 em formato full, substituindo integralmente o arquétipo de apuração e arrecadação do PIS e da COFINS, implantando o IVA-Dual, num primeiro momento, apenas em âmbito federal. Isto permitiria evoluir a engrenagem e rodagem do IVA-Dual sem afetar diretamente a competência tributária de 27 Estados e mais de 5mil Municípios. Em 2033, uma vez testada e aprovada a nova tecnologia de apuração e arrecadação da CBS, o novo formato seria levado para o IBS, após a extinção total do ICMS e do ISS.
Além disto, a partir da publicação da lei Complementar em 2024, os contribuintes tomarão conhecimento se, de fato, os regimes de substituição tributária e de cobrança monofásica dos tributos sobre o consumo efetivamente deixarão de existir ou serão recriados no formato IVA-Dual.
Segunda dor de cabeça: na hipótese da Lei Complementar manter o regime monofásico e/ou de substituição tributária para o IVA-Dual, certamente os princípios que nortearam a reforma tributária, sobretudo o princípio da simplicidade e da neutralidade, seriam feridos de morte. Como cobrar de forma antecipada na ponta inicial da cadeia de comercialização o IVA-Dual devido ao destino sem utilizar a velha fórmula de presumir o preço final de venda ao consumidor do bem, serviço ou direito? E caso se mantenha esta fórmula, como garantir simplicidade e neutralidade do IVA-Dual? Se a indústria recolher antecipadamente o IVA-Dual e a cadeia comercializar sem o tributo, será garantido à cadeia ressarcir o IVA-Dual que lhe foi cobrado em outras operações? E se o preço final praticado com o consumidor for superior ou inferior ao retido pela indústria, o varejo será chamado a complementar ou ressarcir o tributo?
Único remédio: como as bases de cálculo da CBS e do IBS devem ser idênticas e as alíquotas lineares, não sendo admitidas bases presumidas ou alíquotas diferenciadas, os regimes de substituição tributária ou o regime monofásico são impraticáveis, o que obrigará o Conselho Federativo e os entes federados a tornarem ainda mais rígidos os sistemas de fiscalização e controle das operações sujeitas ao IVA-Dual para evitar a sonegação e a fraude fiscal.
Também exige reflexão o prazo de 20 anos determinado pela reforma tributária para que os contribuintes possam recuperar saldos credores de ICMS após a extinção deste tributo.
Terceira dor de cabeça: o impacto financeiro que isto causará nas demonstrações financeiras das empresas, seus índices de solvabilidade e sua capacidade de gerar benefícios aos stakeholders. Esta medida equivale a um empréstimo compulsório, onde o Governo expropria o patrimônio do particular sob promessa de devolução futura dos recursos. Ou mesmo assemelha-se ao calote dos precatórios, onde o Governo deve, não nega, e paga quando puder. O princípio da moralidade administrativa contido na Constituição Federal e não modificado pela reforma impede tal alvitre.
Possível remédio: eventual saldo credor de ICMS após a extinção deste tributo deveria ter poder liberatório para pagamento de quaisquer outros tributos federais, estaduais ou municipais, ou mesmo entre si, permitindo que o acerto de contas se dê entre União, Estados e Municípios, preservando-se o contribuinte. Alternativamente, ao menos deveria ser autorizado o ressarcimento em prazo mais condizente com a legislação tributária, em geral, 5 anos.
O tempo é sempre o melhor remédio para tudo, e o prazo de transição para efetiva implantação do novo sistema de tributação do consumo é relativamente longo, o que certamente permitirá ajustes e melhorias no texto-base da reforma: o que tem se chamado de reforma da reforma.
Bruno Aguiar
Advogado tributarista, sócio do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados