Qual é o caminho para a meta fiscal de 2,3% do PIB?
A política fiscal do governo Dilma Rousseff é alvo de absoluta atenção de analistas do mercado financeiro doméstico e internacional e de grandes investidores, além das agências de classificação de risco de crédito. Até o momento, apenas a Standard & Poor’s manifestou-se sobre o risco soberano do Brasil que passou de perspectiva “estável” para “negativa”. Essa avaliação do risco Brasil, combinada à expectativa de redução do ritmo de compra de ativos pelo Federal Reserve exercendo pressão sobre moedas e juros de economias emergentes, afetou os juros brasileiros de prazos mais longos. E refletiu a crescente descrença dos mercados com a responsabilidade fiscal do governo que neste ano reintroduziu a meta de superávit primário consolidado de 2,3% do PIB, mas em meio a uma entrevista do ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao anunciar a eliminação do IOF sobre derivativos cambiais, e sem qualquer detalhamento da tal decisão.
O economista-chefe do Banco J.Safra, Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional, traça algumas hipóteses sobre a forma de o governo alcançar essa economia de recursos. Em relatório distribuído a clientes, o economista faz uma primeira ponderação: por se tratar de superávit do setor público consolidado, o sinal dado pelo ministro da Fazenda autoriza interpretar que a União voltará a compensar deficiências da meta de Estados e Municípios.
A última reavaliação orçamentária feita pelo governo, cita Kawall, estimou superávit primário de 2,3% do PIB em 2013 – resultado que incluía primário do Governo Central de 1,3% (com abatimento da meta de R$ 45 bilhões de desonerações do PAC) e sem sinalização de que seria realmente cumprido. Mais 1% do PIB referente aos Governo Regionais, que também não seria cumprido, sendo estimado por Kawall em 0,4%. A estimativa final para o superávit primário consolidado deste ano, segundo o J.Safra, caiu a 1,7% do PIB.
Para cumprir a marca de 2,3% indicada pelo ministro, com a União compensando o resultado dos Estados e Municípios, explica Kawall, o governo precisa adicionar ao resultado primário da União R$ 27,7 bilhões ou 0,6% do PIB.
Esse montante não será obtido totalmente de receitas de concessões e dividendos. Portanto, é razoável esperar redução de gastos pelo governo, indica o ex-titular da Secretaria do Tesouro Nacional.
“Do lado das receitas, estimamos que é possível uma reestimativa para cima das receitas de concessões e dividendos. Na revisão orçamentária recente, estão previstas receitas de concessões de R$ 15,7 bilhões, valor que parece tímido frente às perspectivas de receitas de R$ 10 a 15 bilhões com o leilão do campo de Libra e frente à possibilidade de leilões de rodovias, ferrovias e aeroportos”, comenta Kawall, que alerta porém, para a incerteza que cerca os cronogramas dos leilões, seguidamente adiados e também para os valores envolvidos.
Feitos todos os cálculos, Kawall estima que o alcance da meta de 2,3% de superávit primário consolidado exigiria do governo contingenciamento adicional de despesas de cerca de R$ 15 bilhões. “Lembrando que há um compromisso de cumprir o resultado de 2,3% do PIB para o primário de 2013 ‘custe o que custar’, como sugerido pelo ministro Mantega, haveria a necessidade de fazer uma forte contenção das despesas no curto prazo, uma vez que há pouco mais de um semestre para efetuar o ajuste”, diz o economista.
Ele acrescenta que, em uma situação normal, o resultado primário ser realizado sobretudo no primeiro semestre, dada a incerteza quanto à trajetória da receita ao longo do ano e da evolução dos gastos obrigatórios – além de não se ter controle sobre o resultado de Estados e Municípíos. Nos meses finais do ano, se a segurança de cumprimento da meta aumenta, é possível fazer algum descontingenciamento do gasto.
Para o ex-secretário doTesouro, na busca da credibilidade perdida, é de se esperar que o governo adote uma postura bastante conservadora no contingenciamento de despesas, anunciando um valor de no mínimo R$ 20 bilhões, número que deve ser visto como bastante precário, dada a falta de informações e as várias hipóteses igualmente precárias.
“É muito importante que o governo mostre de forma crível como buscará obter o superávit primário de 2,3% do PIB, o que significa sobretudo não recorrer a expedientes não-convencionais”, pondera Kawall, para quem mais do que mais do que dúvidas quanto à solvência da dívida pública, o que está em jogo é a credibilidade e consistência da política econômica, fundamentais para a recuperação do investimento.
O economista entende que se o aperto fiscal ocorrer em níveis próximos aos estimados por sua equipe de economistas seria uma ajuda relevante para o Banco Central em seu esforço de controle da inflação.
“Em relação ao ano passado, teríamos um impulso fiscal mais próximo do neutro (quando desconsiderados os expedientes não-convencionais ou receitas de concessões), ao invés da situação atual, em que é considerado expansionista pelo BC. Manteremos por enquanto nossa previsão de superávit primário de 1,7% do
PIB para o setor público consolidado em 2013, até que haja uma divulgação pelo governo de informações adicionais quanto à execução fiscal.
Angela Bittencourt – Repórter e editora especializada na cobertura de economia e finanças para o Valor Econômico