Projeto de reforma tributária prejudica investimentos e governança corporativa
O Projeto de Lei nº 2.337/2021, recentemente apresentado pelo governo federal, tem sido bastante discutido em razão da reinstituição da tributação de dividendos, do fim da possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio para fins do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da redução das alíquotas do IRPJ e da correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
No entanto, o projeto possui diversas outras disposições que, apesar de serem igualmente impactantes, não têm recebido a devida atenção no debate público.
Em linhas gerais, o governo federal decidiu usar a oportunidade aberta pelas discussões sobre a reforma tributária para incluir no projeto uma série de dispositivos — prejudiciais aos contribuintes — que vêm sendo defendidos publicamente há alguns anos pela cúpula da Receita Federal.
Uma das alterações não relacionadas ao escopo principal do projeto diz respeito à tributação relacionada a investimentos em participações societárias por pessoas jurídicas.
Atualmente, a legislação determina que o custo de aquisição de participações societárias em empresas classificadas como coligadas ou controladas seja desdobrado em: 1) valor patrimonial, equivalente à participação proporcional da investidora no patrimônio líquido da investida; 2) mais ou menos-valia, correspondente à diferença entre o valor justo e o valor contábil dos ativos líquidos da investida, proporcionalmente à participação adquirida; e 3) ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) ou ganho por compra vantajosa (deságio), igual à diferença entre o preço pago e a soma dos dois itens anteriores.
A legislação tributária autoriza o uso da mais-valia e do ágio para fins fiscais nas hipóteses de incorporação ou alienação da investida, seja pela amortização fiscal ou pela utilização como custo de aquisição.
É amplamente sabido que os auditores da Receita possuem grande resistência ao aproveitamento fiscal do ágio, motivo pelo qual esse é um dos principais temas originadores de contencioso tributário no Brasil. Há mais de uma década, a Receita Federal tem deixado clara a sua intenção de eliminar a dedutibilidade do ágio para fins fiscais.
Ocorre que além de vedar a amortização fiscal do ágio a partir de 2023 (o projeto limita a amortização do ágio somente para aquisições realizadas até o ano 2021, com incorporações/alienações até 2022), a proposta do governo também prejudica a sua utilização como custo de aquisição quando da eventual alienação pela investidora pessoa jurídica. Isso mesmo!
Em regra, os saldos de mais-valia e ágio são reduzidos ao longo do tempo na contabilidade da investidora em razão, por exemplo, de depreciação, amortização, exaustão ou testes de impairment. Contudo, a legislação tributária prevê expressamente que tais reduções são indedutíveis para fins fiscais, ao menos em um primeiro momento. Somente quando há a incorporação ou a alienação do investimento é que os saldos inicialmente registrados a título de mais-valia e ágio poderão ser utilizados para fins fiscais, como custo de aquisição.
O projeto propõe manter a indedutibilidade no momento inicial, mas modificar a legislação atual para vedar definitivamente a dedução/utilização de quaisquer valores que tenham sido baixados contabilmente a tais títulos.
Com relação ao ágio, o projeto vai ainda mais longe, ao prever que o saldo inicialmente registrado deve ser reduzido em, no mínimo, 1/60 por mês, sem qualquer impacto na apuração de IRPJ e CSLL.
Em outras palavras, o governo pretende reduzir a base de custo das investidoras pessoas jurídicas e, consequentemente, aumentar artificialmente o ganho de capital tributável quando da alienação da participação societária na investida. A medida é flagrantemente inconstitucional, pois pretende tributar pelo IRPJ e pela CSLL o que não constitui renda nem lucro da investidora, tampouco acréscimo patrimonial!
Se a proposta do governo federal for aprovada da forma como está, haverá um forte desestímulo à aquisição de participações societárias por pessoas jurídicas, sejam essas holdings puras ou mesmo empresas operacionais.
Assim, a pretexto de combater supostos planejamentos tributários abusivos, o projeto pode acabar prejudicando, por exemplo, a adoção das melhores práticas de governança corporativa — uma vez que, na maior parte dos casos, os investimentos via pessoa jurídica são utilizados para tal finalidade.
Diante da evidente inconveniência sob a ótica econômica, espera-se que esse ponto da proposta seja eliminado pelo Congresso Nacional.
Contudo, caso seja aprovada na forma como enviado pelo governo, os contribuintes deverão buscar a tutela do Poder Judiciário para afastar a inconstitucionalidade e assegurar o seu direito à adequada tributação de seus investimentos.
Juliana Cardoso é advogada tributarista e sócia do escritório Abe Giovanini Advogados.
Lucas Barducco é advogado da equipe de Direito Tributário do escritório Abe Giovanini Advogados.