Os dirigentes sábios precisam aprender a ouvir antes de falar
Uma das emoções de se assistir à série “The Crown” é que parece que estamos espiando o que a rainha da Inglaterra diz em sua vida privada. Na segunda temporada, por exemplo, Elizabeth II, interpretada por Claire Foy, diz a Harold MacMillan, que acaba de apresentar sua renúncia como primeiro-ministro, como ele e seus antecessores a desapontaram: ” Todos eles, homens ambiciosos, homens espertos, homens brilhantes. Mas nenhum aguentou… Um grupo de molengas”.
Talvez nunca saibamos o que a verdadeira rainha diz ou disse com as portas palacianas fechadas. Quando ela se expressa abertamente, geralmente isso acontece em discursos previamente preparados ou conversas amenas com diplomatas ou súditos. A imprensa analisa suas indiscrições inadvertidas como se ela tivesse um direito divino.
Seu voto de silêncio público ainda vai valer quando seu filho assumir o trono. O príncipe Charles, famoso por sua sinceridade como Príncipe de Gales, disse recentemente à BBC que vai fechar a boca depois que subir ao trono. Ele afirmou que não continuará se manifestando publicamente sobre assuntos como arquitetura e meio ambiente: “Não sou tão estúpido”.
Seria sábio ele ser cauteloso também sobre declarações pessoais. Promoção é amplificação: tudo que você diz como novo executivo-chefe, presidente do conselho ou rei será ouvido em um volume dez vezes maior. O direito de se expressar publicamente à vontade é apenas um dos privilégios que os novos líderes sacrificam. O Príncipe Charles citou “Henry IV”, de Shakespeare, – um texto mais relevante para ele do que para qualquer outra pessoa. Na peça, o herdeiro fraco Hal é coroado Henry V e abandona os amigos: “Não suponha que sou o rei que já fui”, diz o novo rei ao seu velho amigo Falstaff. “Se você se torna o soberano, então você representa o papel da maneira que se espera”, diz o herdeiro do trono no filme da BBC.
Meu colega Michael Skapinker ampliou o ponto de vista de Shakespeare em uma coluna que escreveu no ano passado sobre como a promoção sempre acaba com as amizades no trabalho: “Uma vez que você tem o poder de mandar nas pessoas, decidir sobre suas bonificações ou demiti-las, suas relações não podem mais ser as mesmas”. Ocasionalmente os líderes falam em termos parecidos que precisaram ajustar sua postura após perceberem o efeito colateral inesperado de falar como antes.
Depois que Alison Brittain foi nomeada executiva-chefe da Whitbread em 2015, ela rapidamente identificou uma síndrome de “Alison diz” na rede de hotéis e cafés. “É surpreendente como as coisas que você diz tem um efeito propagador em sua organização”, explicou em uma entrevista ao “Financial Times”, um ano após assumir o novo cargo. “Algo que você disse de maneira leve ou de passagem se transforma no objetivo número um e prioridade de alguma equipe de sua organização.”
John Roberts, fundador da companhia varejista de artigos elétricos AO World, me disse como percebeu que precisava ser “mais atento com o impacto de suas afirmações” depois de perceber que os funcionários estavam se empenhando em sugestões que ele havia feito informalmente. “Eu estava em mais uma reunião e perguntava: Por que estamos fazendo isso? ‘Porque você disse.’ Eu não disse nada. Foi apenas uma ideia.”
Transmitir suas ideias a partir do topo gera outros subprodutos indesejados. Em seu novo livro, Hal Gregersen do MIT diz que há boas razões de “a transmissão em alto e bom som ser um valor predeterminado para muitos”, mas “ser muito franco sobre seus pontos de vista em uma situação é algo que pode impedir você de perceber quando os outros não estão levando em conta o plano do dia”. Ele aconselha os líderes a abaixar o volume, fazer perguntas e então “ouvir atentamente”.
Esse conselho suscita uma pergunta óbvia. Se os líderes amenizarem seus pontos de vista, eles ainda estarão se comportando de “maneira autêntica”? Sou um cético quanto à autenticidade, mas em todo caso “ser você mesmo” nunca foi um convite para remover todos os filtros no trabalho. Em vez disso, os líderes deveriam ser habilidosos o suficiente para desempenhar um papel com base em seu verdadeiro Eu.
Como rei, o Príncipe Charles será bem menos poderoso que a maioria de seus antecessores ao longo dos séculos. Pelo menos na Europa ocidental, já faz um tempo em que um monarca podia resmungar “Ninguém vai me livrar desse sacerdote atribulado?” (conforme disse Henrique II sobre Thomas Becket no século XII) e descobrir que acidentalmente ordenou o assassinato do Arcebispo de Canterbury. Mesmo assim, a linha entre persuadir e mandar é tênue e todos os líderes deveriam tentar observar isso.
Uma outra excelente ficção envolvendo a realeza – a peça “King Charles III” de Mike Bartlett de 2014 – mostra os riscos para os líderes que tentam fazer valer toda a sua influência, Na peça, o fictício Charles, agora rei, decide tomar uma posição contra o ataque de seu governo à liberdade de imprensa. O preço de se comportar de uma maneira totalmente autêntica, segundo o dramaturgo? Uma crise constitucional, uma conspiração e, finalmente, a renúncia do rei.
Andrew Hill – colunista do “Financial Times”.