O imposto sobre grandes fortunas: quimera ou realidade?
O art. 153, VII, da Constituição Federal, prevê competir à União Federal instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas, nos termos de lei complementar, que exige aprovação por maioria absoluta de senadores e deputados, o que dificulta, em muito, a criação do tributo, pelo que jamais foi instituído no Brasil. É chegado o momento para tanto?
Diversas foram as tentativas de se instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas no país, todas frustradas. Entretanto, ante a onda reformista do atual governo, o imposto passa a ser uma realidade palpável. Nesse contexto, a Comissão de Assuntos Econômicos, ainda sem relator designado, foi desafiada pelo Projeto de Lei Complementar 183/2019, de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM).
O projeto é ousado, responde, a contento, a todos os requisitos do art. 146, III, a, da Constituição Federal. É dizer, define o Imposto sobre Grandes Fortunas, seu fato gerador, sua base de cálculo e seu contribuinte. Demais disso, prevê que a administração, a fiscalização, as formas e os prazos de apuração, bem como de pagamento do imposto serão definidos pelo Poder Executivo Federal.
Inicialmente, o projeto suplantou a dificuldade de se definir a expressão “grandes fortunas”, de evidente vagueza semântica, carecedora de explicitação detida, minuciosa, de seus contornos. Assim, o Projeto de Lei Complementar 183/2019 considera grande fortuna o patrimônio líquido que excede o valor de 12 mil vezes o limite mensal de isenção do Imposto de Renda. Em 2019, foram considerados isentos os rendimentos mensais de pessoas físicas até R$ 1.903,98.
Nesses termos, o fato gerador do imposto é possuir patrimônio superior a 12 mil vezes o limite mensal de isenção do Imposto de Renda. Portanto, o Imposto sobre Grandes Fortunas incidirá sobre patrimônio líquido superior a R$ 22,8 milhões, essa é, em tese, a base de cálculo. O contribuinte é a pessoa física ou jurídica que tenha patrimônio líquido superior a R$ 22,8 milhões. Suas alíquotas variam entre 0,5% e 1%, de sorte que são três alíquotas para três bases de cálculo concretas.
Milionários com patrimônio líquido entre 12 mil e 20 mil vezes o limite de isenção (entre R$ 22,8 milhões e R$ 38 milhões) pagarão 0,5% de imposto. As fortunas entre 20 mil e 70 mil vezes (entre R$ 38 milhões e R$ 133,2 milhões) serão tributadas em 0,75%. E, por fim, quem tenha patrimônio acima desse valor pagará 1%.
Cada alíquota incidirá sobre a parcela do patrimônio prevista na respectiva faixa de tributação. Então, suponhamos uma pessoa física com patrimônio de R$ 150 milhões. Ela pagará 0,5% sobre R$ 15,2 milhões (diferença entre R$ 38 milhões e R$ 22,8 milhões, da primeira faixa), 0,75% sobre R$ 95,2 milhões (diferença entre R$ 133,2 milhões e R$ 38 milhões, da segunda faixa), e 1% sobre R$ 16,8 milhões (diferença entre R$ 150 milhões e R$ 133,2 milhões, da terceira faixa). O valor final do
imposto é a soma dessas três parcelas, ou seja, R$ 958 mil.
Quanto ao mais, o projeto isenta da incidência do Imposto sobre Grandes Fortunas o imóvel de residência do contribuinte (até o limite de 20% do patrimônio), os instrumentos de trabalho do contribuinte (até 10% do patrimônio), os direitos de propriedade intelectual ou industrial, bem como os bens de pequeno valor. Não bastasse, poderiam ser deduzidos do imposto valores pagos dos seguintes impostos: Territorial Rural (ITR), Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Transmissão de Bens Intervivos (ITBI), e Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Pois bem. A possibilidade de instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil tem rendido acalorados debates. De um lado, os críticos, no mais das vezes economistas e políticos ortodoxos, ou liberais, asseveram que o imposto provocaria a fuga de capitais do Brasil, desestimulando a poupança interna, haja vista que poucos países adotam essa forma de tributação do patrimônio. Apontam, outrossim, serem os ricos que mais poupam, garantindo o crédito para os menos afortunados, de modo que os efeitos do imposto seriam deletérios sobre a poupança e o crédito, prejudicando os mais pobres, não contribuindo, desta feita, para a diminuição da pobreza.
Noutro diapasão, os defensores do Imposto sobre Grandes Fortunas, muitos deles políticos de esquerda, ou mesmo aqueles indignados com a exacerbada concentração de renda no Brasil, afirmam ser o imposto importante ferramenta de distribuição de renda e de justiça social.
Entendem ser o objetivo do Imposto sobre Grandes Fortunas justamente aumentar a tributação sobre as camadas mais ricas da população. Portanto, o sistema tributário funcionaria como instrumento para a redistribuição de riquezas, exigindo mais daqueles que possuem mais recursos. Com esses recursos, o Governo poderá investir mais em favor daqueles com maiores necessidades, notadamente no financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Dessas vertentes, posicionamo-nos a favor da instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, como instrumento de justiça social, que objetiva reduzir a exacerbada concentração de renda no Brasil, contribuindo para a execução dos mandamentos constitucionais de construção de uma sociedade mais justa e fraterna, erradicando a pobreza e a marginalização.
Reinaldo Marques da Silva, doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidad Nacional de Córdoba (UNC) e servidor público em São Paulo