Novo formato de tributos é argumento que não para em pé
É recomendável que a Receita já comece a pensar em alternativas, para não correr o risco de errar tão feio na mão de novo
Ao apresentar a proposta de “reajuste da tabela progressiva” aplicável aos rendimentos recebidos por pessoas físicas, a Receita Federal tem dito que a carga tributária de todos os contribuintes será reduzida (de 100% a 3,1%, dependendo da faixa de rendimento). Suas projeções sugerem importante perda de arrecadação (R$ 13,5 bilhões em 2022), porém atende (mesmo que parcialmente) à promessa de campanha do sr. presidente da República com o reflexo automático de aliviar mais de 5,6 milhões de pessoas, que deixariam de pagar Imposto de Renda (IR).
Como ninguém paga alíquota, mas sim imposto, vamos ao efeito prático da “correção da tabela”. Em primeiro lugar, não é verdade que quem ganha por mês, por exemplo, R$ 3 mil paga de IR R$ 95,20 e, com a nova regra, passaria a pagar R$ 37,50. A verdade é que empresta ao Fisco R$ 58 por mês e os recebe de volta a partir da entrega da declaração de ajuste (e sem nenhuma correção). Se esse contribuinte pudesse ver descontado 20% do rendimento tributável em bases mensais, recolheria durante todo o ano R$ 37,20 e, ao tempo da entrega da declaração de ajuste, não teria saldo de imposto a pagar ou a restituir. Ou seja: é com a declaração de ajuste que o “empréstimo” ao Fisco denomina-se de “saldo de imposto a restituir”. Somente a partir daí começa a incidir Selic para a devolução ao contribuinte/credor, o empréstimo mais barato de obter!
Tudo caminharia razoavelmente bem, se o desconto simplificado mensal continuasse a ser aproveitado na base anual. Nenhum problema de denominar esta dinâmica de “reajuste da tabela”. O importante é deixar de tomar emprestado do contribuinte, principalmente daqueles com baixa renda. Mas restringir o desconto simplificado a contribuintes com renda de até R$ 40 mil por ano indubitavelmente implicará substancial aumento da carga tributária a qualquer um que não dispõe de gastos significativos capazes de neutralizar a impossibilidade de dedução automática de 20% da remuneração, limitada a R$ 16.754,34 (a regra atualmente vigente). Aqui, a distorção: quem apresentar declaração de ajuste valendo-se de gastos dedutíveis terá duplo benefício, será tributado em bases mensais efetivas (sem fazer empréstimo ao Fisco) e, ainda, poderá entregar declaração deduzindo os gastos atualmente permitidos. Uma parte da tal “perda de arrecadação” (de R$ 13,5 bilhões) estimada pelo Fisco.
Em resumo: desta vez, tributar mais a pessoa jurídica com o argumento de propiciar menos imposto para a física não para em pé. Aguardemos outra proposta. Esta não colou. Certamente, será repugnada pelo Congresso Nacional. É recomendável que a Receita Federal já comece a pensar em alternativas. E sem precipitação. Para não correr o risco de errar tão feio na mão de novo.
Elisabeth Lewandowski Lubertuci – Advogada em São Paulo, é conselheira do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos da FIES