Nova turbulência, velhos efeitos
Em 2002, uma perda de R$ 2,9 bilhões provocada pelo ajuste do valor de mercado dos títulos públicos detidos pelos fundos de investimento conservadores detonou uma onda de pânico entre os cotistas. O resultado foi o saque generalizado das aplicações de varejo, que acumularam resgates R$ 61 bilhões no fim daquele ano.
No último trimestre de 2008, em meio aos efeitos da crise financeira mundial, houve desvalorização de R$ 26,7 bilhões no estoque de títulos públicos de renda fixa negociados no mercado. Na época, o Tesouro Nacional foi obrigado a intervir para estabilizar as cotações.
Mais recentemente, desde o dia 8 de maio até hoje, o valor da carteira do IMA-Geral acumula queda expressiva, de aproximadamente R$ 100 bilhões. O índice é calculado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) para acompanhar a evolução das cotações dos títulos públicos de renda fixa.
Uma das explicações para a crise atual é a possibilidade de o Fed, o banco central americano, acabar com a política de recompra de títulos negociados no mercado secundário. A menor liquidez no mercado teria o efeito de elevar as taxas de juros em todos os países e reduzir a atividade econômica.
A despeito das razões para as crises, em todas as ocasiões a grande decepção dos investidores foi constatar a redução do valor das aplicações alocadas em alternativas consideradas seguras e à prova de perdas. Em teoria, os títulos públicos são os investimentos mais seguros que existem.
No Brasil, como resultado das turbulências e incertezas, todos os períodos de crise tiveram em comum uma fase de alta dos juros domésticos, aumento da cotação do dólar e queda generalizada da cotação das ações das empresas em bolsa.
Em maio de 2002, por exemplo, a taxa Selic estava em 18,5% ao ano. Em dezembro subiu para 25% ao ano. O dólar, por sua vez, teve alta de 40% e o Ibovespa caiu 12%.
Já durante o pior momento da crise financeira de 2008 o BC tomou a decisão de manter a taxa Selic no pico de 13,75% ao ano. Apesar de praticamente todos os países estarem cortando os juros naquele momento, em uma decisão polêmica, a taxa básica brasileira foi mantida em patamar elevado. E só começou a ser cortada a partir do fim de janeiro de 2009. Hoje, analisando em retrospectiva, a ação adotada pelo BC na época é alvo de severas críticas.
Mas mesmo com a postura mais agressiva do BC, entre a fase mais aguda da crise financeira de 2008 e o primeiro trimestre de 2009, o dólar subiu 24% e o Ibovespa caiu 23%.
Agora, entre 8 de maio e 24 de junho, o dólar acumula alta de 12% e o Ibovespa registra desvalorização de 18%. O BC, ao que tudo indica, continuará aumentando os juros para controlar a inflação. Sinal que o padrão anterior será repetido.
Os momentos de turbulências do passado acabaram revelando uma série de problemas que não estavam no radar dos investidores. E desencadearam importantes mudanças de comportamento.
Na crise da marcação a mercado de 2002, por exemplo, os aplicadores em fundos de investimentos conservadores perceberam que estavam menos protegidos do que imaginavam. A premissa era que os fundos oferecidos por grandes instituições financeiras com atuação no varejo contabilizavam corretamente o valor dos ativos em carteira.
Passado o período inicial de incredulidade e desconfianças, muitos aplicadores buscaram compreender as estratégias de investimento dos chamados gestores independentes. Desde então, o arcabouço institucional dos fundos de investimento ficou mais transparente para os aplicadores, que passaram a demandar carteiras com estratégias claras e regras administrativas bem definidas.
O legado da crise de 2008 foi a percepção sobre os perigos de investir em contratos de derivativos, especialmente se o gestor não tiver a dedicação para buscar compreender os efeitos colaterais da operação. Na época muitas empresas tiveram pesadas perdas e algumas tiveram que ser socorridas com empréstimos e aportes de capital de acionistas.
Em termos de mudança nas estratégias de investimento, a crise de 2002 abriu o caminho para lucros com o que ficou conhecido como ““kit Brasil””: a combinação que envolvia a compra de ações do Ibovespa, aplicação em taxas de juros prefixadas e posições vendidas em dólar, apostando na queda da moeda americana.
O pós-crise de 2008 deu início ao “”kit consumo””: a aplicação em papéis de companhias ligadas ao setor de consumo interno e a aposta na redução dos juros reais, com investimentos em Notas do Tesouro Nacional da série B (NTN-B), indexadas à inflação.
Agora, é preciso identificar o novo “”kit investimentos””.
Por Marcelo d’Agosto – Economista, com mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro, é especializado em administração de investimentos para o Valor Econômico