Local do fato gerador no IBS e CBS: Nova disputa federativa?
Por José Reis Nogueira de Barros
Introdução
A reforma tributária, consolidada pela EC 132/23 e regulamentada pela LC 214/25, alterou significativamente as regras de incidência dos tributos sobre o consumo no Brasil. A substituição do ICMS e do ISS pelo IBS – Imposto sobre Bens e Serviços e pela CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços trouxe uma nova sistemática de tributação, cuja base é a incidência no destino e não mais na origem da operação.
Essa mudança impacta diretamente a arrecadação dos Estados e municípios, gerando novos desafios na definição do local da ocorrência do fato gerador. Tradicionalmente, a tributação sobre consumo no Brasil era marcada por disputas federativas e pela chamada “guerra fiscal” entre os entes subnacionais. Com a transição para o novo modelo, surgem questionamentos: será que os conflitos fiscais entre os entes foram realmente resolvidos ou apenas se deslocaram para um novo cenário de disputa?
1. O conceito de fato gerador no novo modelo
A LC 214/25 redefine a sistemática do fato gerador dos tributos sobre consumo, estabelecendo que o IBS e o CBS incidem no momento da realização da operação de fornecimento de bens e serviços, independentemente do local de origem da prestação ou produção.
Dessa forma, o novo modelo se diferencia dos antigos ICMS e ISS, que tinham regras distintas de incidência. O IBS e o CBS passam a seguir o princípio da tributação no destino, onde o imposto é devido ao local de consumo do bem ou serviço, e não mais onde ele foi produzido ou prestado.
Essa mudança afeta diretamente três grandes categorias de operações:
- Operações com bens tangíveis (mercadorias físicas, cuja circulação pode ser rastreada geograficamente);
- Prestação de serviços (setor que anteriormente estava sob o ISS municipal);
- Transações digitais e bens intangíveis (licenciamento de software, streaming, serviços digitais).
2. A disputa federativa na definição do local de incidência
A tributação no destino, à primeira vista, parece solucionar as distorções do antigo modelo, mas traz novas controvérsias:
- Municípios e Estados perderão arrecadação? A redistribuição do IBS pode gerar perdas para entes que antes concentravam a produção e prestação de serviços.
- A arrecadação no destino pode ser manipulada? Empresas podem tentar estruturar operações para minimizar a carga tributária, declarando o consumo em localidades com incentivos.
- Como será feita a fiscalização? A nova sistemática exige um controle rigoroso para evitar fraudes e sonegação, especialmente em operações digitais.
Conforme destacado pelo professor Hugo de Brito Machado Segundo, em seu curso “Entenda a Reforma Tributária”, a transição para um modelo de tributação no destino deve ser acompanhada de uma forte estruturação fiscal.
“Sem um controle eficiente, o risco de evasão e disputas entre os entes federativos ainda será uma realidade”, afirma o professor.
3. Impacto nos setores econômicos e na arrecadação
A definição do local do fato gerador impacta diretamente a arrecadação de diversos setores econômicos. Algumas questões que surgem incluem:
- O setor industrial pode ser penalizado? Estados produtores historicamente se beneficiavam do ICMS na origem e agora podem perder arrecadação.
- Os Municípios que mais consomem serão favorecidos? Regiões metropolitanas com maior poder de compra tendem a arrecadar mais.
- Setor de serviços digitais: Como garantir que a arrecadação será feita corretamente quando o consumo ocorre de forma remota?
A LC 214/25 estabelece regras detalhadas para a transição da arrecadação, mas há desafios na sua implementação prática. O CGIBS – Comitê Gestor do IBS terá papel crucial na coordenação e fiscalização desse novo modelo.
4. Possíveis soluções e ajustes na regulamentação
Diante dos desafios apontados, algumas medidas podem ser fundamentais para evitar novos conflitos federativos:
- Regulamentação clara para a alocação da receita tributária, evitando disputas judiciais entre Estados e municípios;
- Uso de tecnologia para rastrear operações e alocar corretamente o imposto, garantindo maior transparência na arrecadação;
- Mecanismos de compensação para entes federativos que percam arrecadação na transição, assegurando equilíbrio entre as regiões.
Conclusão
A mudança no local da ocorrência do fato gerador, promovida pela reforma tributária, representa uma tentativa de corrigir distorções históricas do modelo de tributação sobre o consumo no Brasil.
No entanto, a transição do sistema e a definição de regras claras serão essenciais para garantir que a arrecadação seja justa e equilibrada entre os entes federativos.
A disputa federativa, antes marcada pela guerra fiscal, pode ganhar novas formas à medida que Estados e municípios busquem garantir sua participação na arrecadação do IBS e CBS. Assim, o sucesso do novo modelo dependerá da capacidade dos órgãos de fiscalização e do Comitê Gestor do IBS de assegurar uma distribuição justa e eficiente dos tributos.
_____________
1 BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.
2 BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 2025.
3 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Reforma Tributária Comentada e Comparada. Atlas, 2024.
4 Curso “Entenda a Reforma Tributária”, ministrado por Hugo de Brito Machado Segundo.
5 Projeto Nossa Reforma Tributária @projetotributacaonoseculox4638, Observatório da reforma tributária. https://www.youtube.com/live/aUhfuy7USwY?feature=shared, Acessado 12/03/2025.
José Reis Nogueira de Barros
Advogado, founder @advocacianogueirabarros. Mestrando em Direito, Economia e Gestão. Palestrante, conselheiro, especialista em governança, gestão pública, tributação e relações governamentais