A Incomunicabilidade das Reservas de Lucros e de Capital
por: Shirley Henn e Gabriel Strazas Henkin
Desde a promulgação do Código Civil de 2002, muito se tem discutido acerca do embate entre o Direito de Família e o Direito Empresarial, em especial, no que tange à partilha e avaliação de participações societárias. A celeuma que, a princípio, estaria resolvida pelas claras disposições do art. 1.027 do Código Civil – que determina que o cônjuge e o companheiro não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade – não encontrou boa receptividade nos estudiosos do Direito de Família e até em parcela do Judiciário, que entendem que o referido dispositivo estaria extraindo direitos patrimoniais do cônjuge e até dand o azo a fraudes patrimoniais, por desvios de bens da sociedade conjugal através de sociedades empresárias.
Ademais, com questionável acerto do ponto de vista legislativo, o novo Código de Processo Civil ainda veio inovar dentro da interseção entre os Direitos Empresarial e de Família, trazendo disposições de direito material acerca das hipóteses e legitimidade para propor dissolução parcial de sociedades ao cônjuge e companheiro, indo de encontro ao regramento do Código Civil.
Ou seja, de um lado, o Código Civil prevê com clareza a impossibilidade de o cônjuge exigir desde logo a sua parte na quota social, enquanto o Código de Processo Civil, mesmo que não de forma direta, veio a possibilitar a dissolução parcial com a liquidação da quota do sócio e apuração dos respectivos haveres pelo cônjuge e pelo companheiro.
Diante deste embate, como vem sendo usual no mundo jurídico brasileiro, a situação vem sendo melhor delineada dentro do Judiciário, o qual, com estudos mais aprofundados e longe da má técnica legislativa, trouxe recentemente importante decisão através do Superior Tribunal de Justiça.
Dentro dos autos de Recurso Especial nº 1.595.775, o STJ proferiu Acórdão que abordou importante tema no embate jurídico acima citado: a comunicação da valorização das participações societárias.
Pois bem, no caso concreto, travou-se discussão acerca da comunicação, para efeitos de partilha em dissolução de união estável, da valorização de quotas sociais de sociedade limitada.
Posicionou-se claramente o STJ no sentido de que a valorização patrimonial das quotas sociais através do crescimento das reservas e de sua capitalização, sendo decorrente de fenômeno econômico, e não do esforço comum casal, não integra o patrimônio comum para efeitos de partilha.
Os lucros apurados em determinado exercício, portanto, quando destinados a reservas contábeis de lucros acumulados ou de reservas legais ou convencionais, não integram o patrimônio comum do casal, uma vez que são produto exclusivo da sociedade empresarial e destinados ao reforço de seu patrimônio líquido.
Bem trouxe o STJ ao afirmar que “[…] o lucro não distribuído não deve integrar o acervo comum do casal, pois pertence à sociedade e não ao sócio […]”.
A matéria de fundo que embasa a decisão do STJ é a própria finalidade das reservas e de sua capitalização, isto é, servir de garantia e reforço do capital social no interesse dos credores. Quando o lucro não é distribuído aos sócios, não há que se falar em acréscimo patrimonial a ser partilhado, existindo tão somente um remanejamento contábil inerente e necessário à atividade empresarial.
Outro ponto de destaque foi o posicionamento com relação à definição do marco temporal para a avaliação de participações societárias.
Nesta seara, houve a ratificação de posição já consolidada dentro dos Tribunais de que a separação de fato do casal põe fim ao regime de bens, servindo como marco temporal, não concorrendo o cônjuge ou companheiro nas variações patrimoniais da sociedade e das participações societárias após tal fato.
A conclusão que se permite, outrossim, é a de que o Direito Empresarial e sua essência de proteção à empresa e sua perenidade saem novamente fortalecidos dentro do Judiciário, em sua instância máxima para discussões infraconstitucionais, trazendo segurança jurídica aos investidores no que tange à proteção do patrimônio empresarial na ocasião de separação e dissolução de união estável.
- A autora é advogada especialista em Direito Tributário. O autor é advogado especialista em Direito Societário.