Finança sem barganha
Não é possível tolerar guerra fiscal, tampouco conceder privilégios descabidos a São Paulo na renegociação de sua dívida pública com a União
O Congresso Nacional está prestes a tomar duas decisões cruciais a respeito das finanças de Estados e municípios brasileiros.
Uma delas trata das reduções de impostos que Estados concederam a empresas com o objetivo de atraí-las para seus territórios.
Tais incentivos, do modo como foram concedidos, eram instrumentos da chamada guerra fiscal e foram declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. São objeto de uma proposta de súmula vinculante (com efeito imediato sobre casos semelhantes) apresentada em 2012 que, se adotada, encerrará a concessão dessas perniciosas vantagens tributárias.
O passivo dessa decisão por certo é um novo imbróglio. As empresas deveriam devolver os benefícios, o que causaria tumulto econômico e jurídico? A súmula do Supremo valeria apenas de sua aprovação em diante?
Vê-se que, apesar de ilegais e daninhos, os incentivos da guerra fiscal não podem ser revertidos sem mais, sem criar desordem.
O Congresso associou a solução do problema ao da renegociação das dívidas estaduais e municipais.
Entre 1997 e 2000, a União assumiu as dívidas de Estados e municípios, que se comprometeram, entre outras metas fiscais, a pagar o débito em 30 anos, passivo reajustado pela inflação mais juros que variam de 6% a 9% ao ano.
O governo federal, a pedido não só de aliados mas também de oposicionistas, propôs recalcular a dívida inicial por um indexador menor. Assim, o montante seria reduzido, os débitos seriam pagos mais cedo e entes da Federação poderiam voltar a tomar empréstimos.
O Congresso propõe uma espécie de barganha. Validam-se os incentivos fiscais –ideia defendida por quase todos os Estados– em troca da mudança do indexador da dívida –o que beneficiaria em especial a cidade de São Paulo, estratégica no cálculo eleitoral do PT.
A Prefeitura de São Paulo paga juros de 9% sobre sua dívida com a União, taxa que faz anos supera as dos juros básicos de mercado. O peso do refinanciamento tornou-se excessivo. Limita as possibilidades de a maior cidade do país investir e atenuar sua crise urbana, o que tem impactos nacionais.
Mas não convém admitir a prodigalidade e o imediatismo do acordo que se costura no Congresso. O recálculo da dívida não pode ser integral, pois isso implicaria ainda mais subsídios que recairiam sobre as contas do governo federal –ou seja, do país inteiro.
Por outro lado, não se pode dar solução ao passivo da guerra fiscal sem a contrapartida de normas que venham a disciplinar e limitar a concessão de incentivos. Mais importante, é preciso que a validação dos incentivos seja acompanhada da simplificação do ICMS, tributo de tantas alíquotas e normas que provoca ineficiências e custos altos para as empresas.
Em suma, nem se pode tolerar a guerra fiscal nem conceder privilégios descabidos a uma cidade governada por um aliado do Planalto, interessado em ter recursos para impulsionar uma candidatura ao governo paulista.
Editoriais: Folha de S.Paulo