Controle prévio da atividade comercial
Em dezembro foi publicada a Portaria CAT 122/13, dispondo sobre a prestação de garantia ao cumprimento de obrigações tributárias, como condição imposta aos interessados em obter a concessão, renovação ou alteração de sua inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS no Estado de São Paulo.
A medida confere discricionariedade às autoridades estaduais para avaliar a existência de risco de o contribuinte deixar de cumprir suas obrigações tributárias e propor ao delegado regional tributário a dispensa ou exigência de garantia, seu valor (equivalente ao ICMS estimado para os primeiros 12 meses de atividade) e prazo de vigência.
De acordo com a Portaria, a prestação de garantia ao cumprimento das obrigações tributárias futuras somente pode ser imposta em razão de antecedentes fiscais que desabonem os interessados na inscrição, assim como seus coligados, controlados ou, ainda, seus sócios; existência de débito fiscal definitivamente constituído em nome da empresa, de suas coligadas, controladas ou de seus sócios; ou tipo de atividade econômica desenvolvida pelo estabelecimento, em especial quando existir transitoriedade da atividade ou elevado risco de não cumprimento das obrigações tributárias.
Essa garantia poderia assegurar a livre concorrência, na medida em que dificultaria o ingresso no mercado ou dele excluiria potenciais sonegadores que se aproveitam de vantagens indevidas em prejuízo dos contribuintes que, além de suportar a altíssima carga tributária, incorrem em elevados custos com o cumprimento de obrigações acessórias.
De fato, a livre iniciativa é limitada pela proteção à concorrência, podendo o Estado, com o intuito de promover o equilíbrio da economia e o bem comum, intervir para reprimir os abusos, como pretende fazer mediante a imposição da garantia para a concessão de inscrição estadual.
Porém, a recente exigência administrativa, a pretexto de atender o interesse público, pode ser considerada ofensiva aos princípios da livre iniciativa e da neutralidade fiscal do Estado. Ao avaliar antecedentes fiscais, deve-se ponderar, por exemplo, que a simples falta de pagamento de tributo não pode ser fato desabonador, como já pacificado pela jurisprudência. A inadimplência, sem que provado dolo ou fraude, constitui simples mora da sociedade.
Contrariamente à Constituição Federal, a exigência em comento representa medida restritiva do exercício da atividade econômica, prejudicial à livre iniciativa, pois dificulta a obtenção da inscrição estadual, sem a qual o empreendimento não pode funcionar. De acordo com a legislação estadual, qualquer sociedade deve se inscrever no Cadastro de Contribuintes do ICMS, antes do início de suas atividades, desde que pretendam praticar com habitualidade fatos geradores do imposto.
O oferecimento de garantia na forma de fiança bancária, seguro de obrigações contratuais ou depósito administrativo, especialmente no início da atividade, quando são necessários investimentos e capital de giro, pode impedir o interessado em integrar o comércio paulista, de obter sua inscrição e, por conseguinte, de atuar no mercado. Essa medida está em desacordo com as Súmulas do Supremo Tribunal Federal (70, 323 e 547), segundo as quais não se pode restringir a atividade econômica como meio coercitivo de pagamento de tributos.
Além disso, a portaria em comento permite a atuação parcial da administração, contrariamente ao princípio da neutralidade do Estado. A possibilidade de exigência da garantia em função da atividade econômica, sem que existam indicadores que justifiquem o receio de inadimplência do empreendedor, e de concessão de regime especial dispensando o interessado do oferecimento de garantia, ainda que tal dispensa seja acompanhada de outras medidas de fiscalização mais rígidas, constitui risco de criação de privilégios para alguns e prejuízos a outros agentes do mercado.
Esta discricionariedade conferida à administração pode interferir direta e perigosamente na economia, desvirtuando a função do Poder Executivo. Afinal, em que medida é legítimo o controle prévio exercido pela administração acerca da potencialidade de sucesso da atividade empresarial e dos antecedentes do interessado para fins de imposição de garantia para obtenção de inscrição estadual?
É nítido que o combate à sonegação e a proteção da concorrência leal pela administração paulista, se não executados com razoabilidade, como parece ser o caso da edição da Portaria CAT 122/13, pode prejudicar o já comprometido crescimento econômico estadual.
Carolina Romanini Miguel é mestre em direito tributário pela PUC-SP, doutora em direito econômico e financeiro pela USP e advogada associada do escritório Machado Associados