A problemática do fim da Eireli
Por Marinely Bomfim
Lei 14.195/2021 entra em vigor e põe fim às empresas individuais de responsabilidade limitada
Bastou a conversão em lei daquela que foi batizada como MP do ambiente de negócios e a celeuma já estava criada: a Lei 14.195/2021 entrou em vigor e pôs fim às empresas individuais de responsabilidade limitada – Eireli, instituto do direito empresarial que ainda se encontrava em fase de consolidação.
Os artigos do Código Civil sobre a criação da Eireli (art. 44, VI e 980-A) continuam lá, em tese, intactos, mas se tornaram ‘letra morta’. O tipo jurídico Eireli continua existindo, mas o artigo 41 da 14.195 determinou a sua transformação automática em sociedades limitadas unipessoais:
“Art. 41. As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo.
Parágrafo único. Ato do DREI disciplinará a transformação referida neste artigo”.
Quiçá por um descuido de técnica legislativa, o inciso XXIX do art. 57 do Projeto de Lei de Conversão havia sido dividido em diversas alíneas. Nas letras “a” e “e” estavam previstas revogações sobre a Eireli.
Segundo disposição contida no § 2º do art. 66 da Constituição da República, o veto parcial somente poderá abranger texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.
Diante da intenção de vetar uma destas alíneas e, não existindo a figura do veto parcial, todo o inciso, que tratava da revogação de dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, incluindo-se inciso VI do caput do art. 44 e art. 980-A, acabou sendo vetado. Isto poderia ter sido evitado caso os dispositivos citados tivessem sido arrolados em incisos individualizados.
Com isto, o Registro Público de Empresas, que é um sistema calcado na segurança jurídica e no primado da lei, passa a encarar como algo natural que dispositivos legais se tornem letra morta. Em tempos de forte aspecto valorativo da lei da liberdade econômica, a Eireli existe, mas o empresário não pode escolher esta modelagem.
Quando da criação deste tipo jurídico, pela Lei Federal nº 12.441, de 2011, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – Eireli buscava suprimir outra problemática: a da obrigatoriedade da pluralidade de sócio.
No outro extremo desta problemática, está o fato de que a Eireli ‘nunca pegou’ como tipo jurídico. Foi pouquíssima utilizada no País desde o seu nascedouro, seja em função da limitação causada ao se estipular o capital mínimo, ou ainda, por questões de ordem tributária e patrimonial.
Com a vigência da nova Lei 14.195/2021, uma leitura rápida do “caput” do art. 41, pode-se entender que toda Eireli já estaria automaticamente transformada em sociedade limitada unipessoal. Isto porque a própria lei assim o disse: não é necessário averbar na junta comercial nenhuma alteração à margem de seus registros.
Por mais que a redação do dispositivo deixe transparecer que já é autoaplicável, do parágrafo único do art. 41 se extrai que o Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI, órgão central de coordenação técnica das juntas comerciais, irá regulamentar como se dará o procedimento.
Sobre a transformação há alguns pontos para reflexão. Segundo Tavares Borba, é uma operação pela qual se passa de uma espécie a outra; uma “metamorfose” que se opera, no plano prático, tradicionalmente sob a forma de alteração, o que neste caso a lei dispensou. Diz-se imprópria a transformação quando um tipo não societário é transformado em sociedade.
O ato de transformação, seja própria ou imprópria, independe de dissolução ou liquidação e segue os mesmos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que irá se converter. Á EIRELI sempre foi aplicável a mesma regra das limitadas.
É sabido que o consentimento do titular da Eireli para a transformação do tipo em limitada unipessoal é da essência da transformação, dado o seu caráter que é, antes de tudo, de reorganização societária.
O momento é delicado para o Registro Público de Empresas e pede cautela, até que sobrevenha a regulamentação do órgão técnico, que soubemos já está a caminho. Por estes motivos, recomendamos cautela na apresentação de atos de constituição de Eireli, bem como de transformação de qualquer outro tipo jurídico em Eireli, até que os detalhes da regulamentação sejam disponibilizados.
Marinely Bomfim é Secretária-Geral da Jucemg