Obrigatoriedade de cadastro, retenção de ISS e bitributação
Rodrigo Alves Andrade
Advogado
O ISS (imposto sobre serviços) é um imposto municipal que incide sobre os serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar federal, não compreendidos dentre aqueles serviços sujeitos ao ICMS – transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Nos termos da Constituição Federal, a lei complementar federal define o fato gerador do ISS, e também regula as suas normas gerais, o seu contribuinte, e local onde o serviço se considera que ali preste serviços, a se cadastrar perante o município. E, mais do que isso, não efetuado o cadastramento, o tomador de serviços localizado nesse município ficaria obrigado a reter o valor do ISS, o qual, inclusive, já teria sido recolhido no Município em que localizado. É a situação de prestador de serviços situado em Natal/RN, que venha a executar serviços para um cliente sediado em São Paulo/SP. Nesse caso, pela norma municipal de São Paulo/SP, o cliente paulistano será obrigado a reter o ISS dos serviços que já terão sido recolhidos em Natal/RN. Cuida-se, nitidamente, de legislação municipal que finda por ocasionar bitributação, com recolhimento do tributo no município da sede do prestador e também, por meio de retenção, no município do tomador de serviço, onde está localizado o cliente. Não é norma para afastar a evasão fiscal, como se alega, mas para impor o ISS em favor de município a qual não lhe compete.
Desse modo, a legislação municipal que obriga o cadastramento do prestador de serviço, sediado em outro município, sob pena de retenção do ISS pelo tomador de serviço, tangencia a norma federal sobre competência para instituir o ISS e quem é seu contribuinte. Estabelece obrigação acessória – cadastramento -, a contribuinte sujeito à imposição tributária de outro município. Além disso, a norma municipal modifica o critério espacial e sujeito passivo do tributo, ao instante em que o ISS será recolhido em favor de Município a quem não cabe, e por meio de uma retenção de tributo pelo tomador. Em rigor, a legislação municipal determina que o ISS devido a outro município, segundo a legislação federal sobre o assunto, passasse a ser devido e recolhido onde situado o cliente, tomador do serviço. Como o Município poderia estabelecer retenção, em seu favor, se o ISS não lhe cabe? No entanto, as grandes metrópoles têm agido assim já há algum tempo. Evidentemente, cria-se situação de bitributação (o tributo estará recolhido no município da sede do prestador e, indevidamente, retido na sede do cliente). Em decisão extremamente relevante, o STF, por maioria, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, firmou a tese de que “É incompatível com a Constituição Federal a disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestador de serviços não estabelecido no território do Município e a imposição ao tomador da retenção do ISS quando descumprida a obrigação acessória” (o acessória” (Tema 1.020 de repercussão geral, RE 1.167.509/SP, Rel. Min. Marco Aurélio).
A decisão é especialmente importante porque sinaliza que o STF não admite que os municípios, onde localizados os tomadores de serviços (clientes), criem instrumentos para receber receitas de tributos que não lhe cabem, nos termos da legislação federal, o que gera bitributação para o contribuinte. A decisão, tomada em repercussão geral, abre espaço para que os valores retidos indevidamente sejam restituídos aos contribuintes.