Sugestões para reforma do Simples Nacional
Em 2011 as micro e pequenas empresas (MPEs) representavam 89,59% de todas as empresas do país, 27% do PIB, e 67,9% de todos os empregos criados[1], o que deixa claro a importância das MPEs para a economia brasileira. Hoje, já se sabe que um sistema tributário eficiente deve ser neutro em relação às decisões negociais e não deveria influenciar a escolha da forma societária a ser adotada pelas empresas, mas isso raramente se vê[2].
Para Dutz et al (2017), a existência de externalidades é a principal razão para não se aplicar políticas tributárias neutras, desde que exista uma política de incentivo ao crescimento econômico. De maneira geral, a existência de falhas de mercado é somente uma das razões para intervenção estatal na economia[3]. Além disso, como explicam Hevia et al (2017), escolher qual política é mais adequada não é um trabalho fácil, já que a assimetria de informações entre os setores público e privado é grande.
Este trabalho analisará alguns aspectos importantes da tributação das MPEs no Brasil. Na seção seguinte, farei uma rápida revisão da literatura relacionada ao assunto, bem como darei tratamento teórico ao assunto. Analisarei, na terceira seção, os custos e benefícios de um regime específico de tributação de MPEs. Na quarta, trarei algumas propostas para reformar o regime atual de tributação das MPEs. Encerrarei com conclusões e apontamentos bibliográficos.
Aspectos teóricos
Idealmente, o Sistema tributário de um país deveria ser neutro, tanto em relação às MPEs quanto às empresas de maior porte. Infelizmente, isso raramente se observa[4]. Para Dutz et al (2017), a existência de externalidades é a principal razão para não se aplicar políticas econômicas neutras (inclusive as de cunho tributário), desde que exista um objetivo seja de atingir maiores níveis de crescimento e desenvolvimento econômico. Note-se, contudo, que a existência de falhas de Mercado é somente uma das razões para intervenção estatal na economia[5]. escolher qual política é mais adequada não é um trabalho fácil, já que a assimetria de informações entre os setores público e privado é grande.
Levando-se em consideração que as MPEs, não obstante a importância delas para a economia, são geralmente as empresas mais fracas, e que a neutralidade tributária é, de fato, rara, é essencial que as regras de cunho tributário coloquem as empresas menores e as maiores em patamar que possam competir em pé de igualdade, criando-se verdadeiro “level playing field”[6]. Tais regras devem ser adequadas para aumentar o tempo de vida das MPEs, permitindo-lhes crescer e prosperar, criar empregos, pagar salários maiores e melhorar o padrão de vida da população em geral[7].
Apesar de as MPEs representarem a grande maioria das empresas e uma boa parte do produto interno bruto de vários países[8], os sistemas tributários raramente são engendrados especificamente para elas ou levando em consideração suas principais necessidades. O mais comum é se encontrar um regime tributário “geral”, que, via de regra, é somente adequado para as empresas maiores, e as regras especificamente voltadas para as MPEs são aprovadas como exceção ao sistema tributário universal[9]. Tal visão, hoje, parece ultrapassada, já que os legisladores deveriam levar em consideração as necessidades das MPEs desde o início do processo de criação de um sistema tributário[10]. Infelizmente, isso não é fácil de ser feito, já que um sistema tributário é fruto de longa “construção”, onde “tijolos” mais novos são posicionados em cima de outros mais antigos, pois uma alteração completa é de difícil execução[11].
É importante que se entenda que as MPEs são empresas peculiares e de porte diminuto. Não raramente, encontram-se em posição “intermediária” entre, de um lado, as pessoas físicas comumente tributadas por meio de retenção em fonte e, de outro lado, as empresas maiores, o que gera especificidades e dificuldades muito difíceis de lidar[12]. As dificuldades emergem do fato de existirem enormes diferenças entre a tributação da renda gerada pelo trabalho e daquela vinda do capital[13]. Enquanto a primeira (renda decorrente de trabalho) geralmente é submetida à tributação por meio de retenção na fonte, com enormes limitações em relação à possibilidade de se levar a cabo planejamento tributário[14], as empresas de maior porte conseguem fazê-lo ao, por exemplo, ao fazer uso do regime de tributação progressiva, fazer distribuições de dividendos aos sócios, o até mesmo por lançar mão de planejamentos em que utilizam centros offshore com alíquotas reduzidas[15]. Nas empresas menores, os lucros distribuídos aos sócios são, muita vez, remuneração por trabalho prestado em que se utilizou uma empresa (até mesmo para redução da carga tributária, mas não só por isso), no lugar de uma relação de trabalho tradicional; assim, o legislador deve prestar atenção a tal peculiaridade e permitir que se adote regime tributário na forma de “pass through”, em que a empresa em si seja isenta e se passe a tributar tão-somente os valores recebidos pelos sócios (ou a eles disponibilizados) na forma de lucros[16]. Tal regime é adotado com muito êxito, por exemplo, nos Estados Unidos.
Não se pode esquecer que as MPEs podem ser das mais variadas espécies e estar presentes em inúmeros setores da economia. Logo, podem ser tanto empresas industriais quanto prestadoras de serviços de contabilidade, por exemplo. Podem, ainda, atuar no setor de construção civil ou na prestação de serviços jurídicos. Tal fato traz desafios ainda maiores para o legislador e para as autoridades tributárias, principalmente para elaborarem regras que, ao mesmo tempo, permitam ao Estado arrecadar quantias suficientes para bancar os gastos públicos, mas que não criem empecilhos à atividade econômica, além de aumentar os níveis de conformidade com as regras tributárias[17].
Mesmo que as regras tributárias sejam as mesmas para todas as empresas, hoje já se sabe que existe um fardo proporcionalmente maior a ser carregado pelas MPEs no que diz respeito ao cumprimento da legislação em vigor. Isso pode inadvertidamente ocasionar vantagem para as empresas de maior porte. Com efeito, enquanto os custos de conformidade com a legislação são geralmente elevados para as MPEs, eles são muito mais facilmente suportados pelas empresas maiores[18].
A política tributária deveria ter como objetivo evitar diferenças de tratamento entre as diversas formas societárias que possam ser adotadas pelas empresas (por exemplo, não deveriam existir regras que tratem diferentemente, sob o viés tributário, sociedades limitadas, sociedades anônimas e firmas individuais)[19]. Além disso, atividades econômicas similares deveriam ter tratamento equiparável, evitando-se distorções[20]. Adicionalmente, regimes tributários podem ser utilizados na tentativa de se corrigir falhas de mercado, desde que isso seja benéfico para a economia e seja feito com objetivos claros e precisos[21]. Dispensar tratamento diferenciado às MPEs é algo legítimo, mas deve-se evitar tributar tais empresas em níveis diferenciados em relação às de maior porte, para que não se criem distorções econômicas indesejadas[22]. Por fim, eventual tratamento especial para as MPEs deve preferencialmente ter a forma de sistema tributário simplificado, no lugar de regime escalonado, com inúmeras alíquotas diferentes, que acabam por aumentar a complexidade[23].
Propostas para reforma do Simples Nacional
Com base no que se viu até agora, proponho as seguintes reformas: (i) escolha de objetivos claros e precisos, (ii) neutralidade, e (iii) simplificação do regime atual. Passo, agora, a elaborar um pouco mais cada uma destas propostas.
Cada país deve eleger objetivos de sua política tributária, incluindo-se o tratamento a ser dispensado às MPEs. O Estado tem plena liberdade para escolher os objetivos que pretende atingir, mas, logicamente, deve levar em consideração as consequências que trarão para a economia de maneira geral. É importante ressaltar que, sem a escolha prévia dos objetivos esperados, será impossível aferir, em momento posterior, se foram atingidos e em que grau. Assim, por exemplo, um país pode determinar que a principal função da política tributária é a de servir como instrumento para a criação de empregos. Contudo, tal política também deve evitar a erosão da arrecadação, caso contrário o Estado enfrentará dificuldades em financiar suas atividades. Outro objetivo plausível é a redução da burocracia tributária existente, o que fomentará o surgimento e o tempo de vida das empresas, notadamente as MPEs. Os procedimentos burocráticos deveriam ser mantidos ao mínimo, para que as empresas possam ser constituídas, permanecer abertas e serem extintas com o mínimo de esforço.
A neutralidade seria atingida pela escolha de um único critério para que uma empresa seja considerada MPE: receita. Critérios relacionados à estrutura ou forma societária, à propriedade, ao objeto social ou às atividades econômicas desenvolvidas, à origem do capital, pertencer ou não a grupo econômico maior, ou quaisquer outros aspectos semelhantes deveriam ser simplesmente abolidos, pois criam distorções e dificuldades absolutamente indesejadas.
Por fim, a simplificação do regime atual é essencial. Isso não significa dizer que as MPEs deveriam pagar menos tributos do que as demais empresas, mas que poderia ser engendrado sistema que lhes permita gastar menos tempo e recursos econômicos escassos no cumprimento de obrigações tributárias (acessórias ou principais). Isso criaria verdadeiro level playing field e aumentaria a competitividade das empresas nacionais de menor porte sem que que seja promovida a erosão da arrecadação. Assim, o Estado brasileiro deveria promover redução drástica da burocracia tributária, notadamente pelo uso da tecnologia, para atingi tal objetivo.
Conclusão
O sistema tributário voltado para as MPEs precisa de reformas urgentes. O estágio atual da legislação tributária deixa isso claro. Precisamos escolher os objetivos a serem atingidos por nosso sistema tributário (além da própria arrecadação, é claro). Devemos, ainda, promover a neutralidade de nosso sistema tributário em relação às MPEs. Por fim, devemos criar um level playing field e aumento da competitividade das MPEs por meio da simplificação do regime tributário aplicável às MPEs.
Bibliografia
Ahmed, E.; Braithwaite, V.. (2005). Understanding small business taxpayers – issues of deterrence,tax morale, fairness and work practice. International Small Business Journal, vol. 23, n. 5, pp. 539–568.
Baurer, L. I. (2005). Tax administration and small and medium enterprises (SMEs) in developing countries. World Bank Group.
Dutz, M. et al (2017). Business support policies in brazil: large spending, little impact. Washington, DC: World Bank Group.
Freedman, J. (2009). Reforming the business tax system: does size matter? Fundamental issues in small business taxation. Em R. Krever e C. Evans, Australian Business Tax Reform in Retrospect and Prospect. Sydey: Thomson Reuters.
Hansford, A.; Hasseldine, J. (out. 2012). Tax compliance costs for small and medium sized enterprises: the case of the UK. eJournal of Tax Research, vol. 10, n. 2.
Hansford, A. et al (2003). Factors affecting the costs of UK VAT compliance for small and medium-sized enterprises. Environment and Planning C: Government and Policy C, vol. 21, n. 4, pp. 479-492.
Hevia, C. et al (mai. 2017). Industrial policies vs public goods under asymmetric information. Policy Research Working Paper 8052. Washington, D.C.: World Bank Group.
IMF – International Monetary Fund. (2007). Taxataion of small and medium enterprises. IMF – International Monetary Fund, Buenos Aires.
OECD. (2015). Taxation of SMEs in OECD and G20 countries (vol. 23 – OECD Tax Policy Studies). Paris: OECD Publishing.
Sebrae. (2014). Participação das micro e pequenas empresas na economia brasileira. Brasília: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae.
Soufani, K. (2003). Small business growth and tax policy in Canada – a theoretical model. Environment and Planning C: Government and Policy, vol. 21, 567-578.
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[1] Sebrae (2014).
[2] OECD (2015).
[3] Dutz et al (2017); Hevia et al (2017).
[4] OECD (2015).
[5] Dutz et al (2017); Hevia et al (2017).
[6] Baurer (2005).
[7] Soufani (2003).
[8] OECD (2015); Soufani (2003); Ahmed e Braithwaite (2005).
[9] Freedman (2009).
[10] Freedman (2009).
[11] Freedman (2009).
[12] Freedman (2009).
[13] Freedman (2009).
[14] Ahmed e Braithwaite (2005).
[15] Ahmed e Braithwaite (2005); Freedman (2009).
[16] Freedman (2009).
[17] Hansford & Hasseldine (2012); IMF (2007); OECD (2015).
[18] Hansford et al (2003).
[19] Freedman (2009).
[20] Freedman (2009).
[21] Freedman (2009).
[22] Freedman (2009).
[23] Freedman (2009)