União vai usar resolução do Senado contra guerra fiscal
Tributação: Área econômica vai negociar projeto de Jucá no Confaz.
O governo pretende combater a guerra fiscal nas importações – medida considerada prejudicial à indústria nacional – por meio de uma resolução do Senado Federal. Já tramita na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa um projeto de resolução que zera a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados.
A proposta está aberta a negociação. A intenção do governo não é impor essa alíquota aos Estados. A área econômica já está conversando com os secretários estaduais da Fazenda sobre o valor da alíquota, se ela será igual ou não para todos os Estados, e sobre eventuais exceções para determinados produtos.
“Esse projeto é para discutir. Não vai ficar assim. Poderemos construir uma alíquota intermediária, dar exceções para alguns tipos de produto, mas o fundamental é discutir o problema, que é grave. A questão é acabar com essa farra, com esse caminho, que é contra a industrialização do país”, afirmou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
O assunto será tratado pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, em reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), em 1º de abril, no Rio de Janeiro.
O projeto de resolução foi apresentado por Jucá em dezembro de 2010 – no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do qual ele também era líder no Senado – e está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). A pedido do governo, o presidente da comissão, Delcídio Amaral (PT-MS), assumiu a relatoria. A proposta, no entanto, está parada, aguardando a negociação entre a área econômica e os secretários estaduais de Fazenda. Podem até ser realizadas audiências públicas.
Segundo Jucá, o governo do Estado de São Paulo, por exemplo, já apresentou uma contraproposta: fixação de alíquota de 4%. Esse percentual ficaria com o Estado de origem, que recebe a mercadoria importada. Essa sugestão encontra resistências.
Delcídio também apresentou a primeira emenda à proposta. Ele sugere a exclusão das “operações com energia elétrica e com combustíveis líquidos ou gasosos, derivados ou não de petróleo da sistemática de alíquota 0%”. O Mato Grosso do Sul seria prejudicado com a alíquota zero de ICMS, porque é a porta da entrada do gás importado da Bolívia.
“Essa é a velha batalha de São Paulo, que o ICMS seja cobrado no destino. Isso iria nos lascar”, afirma Delcídio. A emenda é assinada também pelos outros dois senadores do Estado, Marisa Serrano (PSDB) e Waldemir Moka (PMDB).
Segundo reportagem publicada pelo Valor em outubro de 2010, baseada no cruzamento de dois estudos diferentes, 20 Estados e o Distrito Federal oferecem algum tipo de incentivo à importação com redução do ICMS. O Confaz não aprovou os benefícios em pelo menos 13 dessas unidades da federação.
Na justificativa do projeto, Jucá explica que, nas operações interestaduais, o ICMS é dividido entre o Estado de origem e o Estado de destino das mercadorias e serviços. No caso de importação, a simples internalização gera, para o Estado que recebe o produto, arrecadação de ICMS.
“Tal circunstância, associada ao uso recorrente de políticas de benefícios e incentivos fiscais pelos Estados, na chamada 'guerra fiscal', faz com que o ICMS tenha se configurado em um instrumento capaz de estabelecer vantagens comparativas ao produto importado, em detrimento do produzido no país”, afirma Jucá.
Pela proposta de resolução apresentada, a alíquota zero será aplicada às mercadorias importadas que são destinadas diretamente a outro Estado, sem passar por qualquer processo de industrialização.
“Com essa medida, a mercadoria de procedência estrangeira com potencial para receber benefício da guerra fiscal em determinado Estado passará a ser transferida ao Estado de destino sem carga de ICMS, praticamente eliminando a possibilidade de concessão de incentivos fiscais para os produtos importados pelo Estado da importação”, diz Jucá na justificação.
O senador também explica que, segundo a Constituição (inciso IV do parágrafo 2º do artigo 155), cabe ao Senado Federal, por meio de resolução, aprovada pela maioria absoluta dos 81 senadores, “estabelecer as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação”. Antes do plenário, o projeto de resolução precisa passar apenas pela CAE.
De acordo com Jucá, o governo tem pressa na aprovação da resolução. “O governo quer enfrentar essa questão do produto que vem do exterior recebendo incentivo fiscal. O governo não aceita, é ruim para o país. A forma de resolver isso é construir um mecanismo que anule essa vantagem”, afirma o líder.
Proposta encampada pela Fazenda encontra muita resistência nos Estados
A intenção do governo federal de usar a proposta do senador Romero Jucá para acabar com a guerra fiscal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na importação deverá enfrentar resistências. Para Santa Catarina a medida é muito radical e deveria haver uma regra de transição. O Espírito Santo diz que a medida reduzirá de 35% a 30% o ICMS repassado aos municípios capixabas pelo governo estadual. O governo paulista apoia a iniciativa, embora já tenha sugerido algumas mudanças no texto de resolução do senador.
O secretário de Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, diz que o Estado propôs alíquota interestadual de 4% nas importações que são alvo da proposta de Jucá. Numa mercadoria tributada a 18%, por exemplo, o Estado importador ficaria com 4% e o de destino, o restante. “É preciso deixar parte da arrecadação para o Estado importador para não tirar seu interesse no controle das mercadorias”, diz Calabi. Ele lembra que as importações de países asiáticos estão resultando em desverticalização da indústria interna. A valorização do real frente ao dólar é um fator conjuntural que tem contribuído para isso, diz, mas os benefícios na importação aceleram esse processo.
Santa Catarina e Espírito Santo são Estados reconhecidos pelos incentivos fiscais que oferecem às importações. De 2005 a 2010 as importações pelo Estado de Santa Catarina aumentaram 447%. No mesmo período, a elevação das importações brasileiras foi de 147%. O forte aumento da importação de Santa Catarina não pode ser creditado ao aumento da produção física, que cresceu apenas 2,9% no Estado na mesma comparação. Um índice bem menor que a média brasileira, de 14,9%. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento (MDIC) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Incentivos de Estados que resolveram conceder facilidades de ICMS na importação acabaram tirando posições de outros mais “tradicionais” na concessão de benefícios. “Já chegamos a ser o maior Estado importador do país. Hoje estamos em nono lugar”, diz o secretário da Fazenda capixaba, Maurício Cézar Duque. Nos últimos cinco anos, o crescimento das importações pelo Espírito Santo foi relativamente pequeno, de 86%. A base de comparação do Estado, porém, é alta.
O principal incentivo capixaba para as importações, o programa Fundap, existe há mais de 30 anos e contribui há mais tempo para elevar as importações no Estado. O Fundap oferece um financiamento do ICMS devido na importação. Segundo Duque, o financiamento é de 20 anos, com juros de 1% ao ano. A dívida também pode ser comprada via leilão, a cerca de 10% do valor devido do imposto.
Se o imposto interestadual devido nas importações de mercadorias destinadas a simples comercialização for reduzido a zero, o grande impacto não é para a Fazenda estadual. Segundo o secretário, a renúncia do Estado no caso do Fundap se faz apenas com a parte do imposto pertencente ao governo estadual. A cota das prefeituras é cobrada regularmente e repassada aos municípios e representa cerca de 30% dessas transferências. “O Estado perderia muito. Nossa economia é voltada para o mercado externo, com importação de mercadorias que depois são destinadas a outros Estados. Temos uma grande infraestrutura portuária, mas um mercado pequeno dentro do Estado.” Duque diz que o Fundap é um incentivo legítimo, com impacto financeiro previsto no orçamento, tendo dado base para o crescimento econômico do Estado pela movimentação de cargas.
Santa Catarina também tem receio do impacto financeiro e diz que as medidas dadas pelo Estado foram voltadas para a proteção de empresas ali instaladas. “Se a guerra fiscal acabar, nosso Estado estará entre os mais favorecidos”, diz Almir Gorges, secretário-adjunto da Fazenda catarinense. Para ele, o crescimento das importações pelo Estado não está relacionado aos incentivos e sim à sua sofisticada infraestrutura portuária e logística, além da localização próxima a mercados importantes. Ele lembra que o governo estadual suspendeu até abril alguns benefícios à importação de mercadorias. “Isso é um sinalizador de que queremos discutir o assunto.”
* Valor Econômico