União e Estados negociam tributos e investimentos
O governo costura acordos em várias frentes com os Estados, que podem resultar na aprovação de uma reforma tributária restrita e em maiores investimentos estaduais para revigorar a economia. A face visível dessa operação aparecerá nesta sexta-feira, na reunião da presidente Dilma Rousseff com os governadores.
A pressão do Supremo Tribunal Federal – que ameaça derrubar todos os incentivos fiscais concedidos sem prévia aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) – contribuiu para esse roteiro. Os secretários de Fazenda discutem uma saída e ela pode desembocar na reforma do ICMS, algo que União e Congresso tentam fazer desde 1995.
A proposta envolve quatro passos, segundo o secretário de Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi. Em primeiro lugar, haveria o cancelamento de todos os convênios que deram incentivos considerados inconstitucionais. O passo seguinte seria aprovar um convênio de cancelamento das dívidas tributárias relativas aos contratos de incentivos ilegais. O terceiro, seria a aprovação de novos convênios de incentivos, iguais aos cancelados, com prazos a serem combinados no âmbito do Confaz. O último passo seria definir uma trajetória de redução das alíquotas interestaduais do ICMS, com o objetivo de que a apropriação desse tributo seja feita, majoritariamente, no Estado de destino das mercadorias.
Por sua vez, a União criaria dois fundos: um deles para ressarcir as perdas que os Estados teriam com a transi-ção do ICMS para o destino e outro para assegurar recursos para uma política de desenvolvimento regional.
O governo federal também está decidido a elevar os investimentos públicos utilizando os bancos estatais para prover crédito aos Estados. A área econômica avalia que a medida terá impacto limitado neste ano e maior em 2013, já que esbarra nas limitações legais a empréstimos por conta do cronograma eleitoral. Na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciará linha de crédito especial do BNDES, que poderá contar com mais de R$ 10 bilhões, a Estados com margem fiscal para elevar dívidas. O limite de endividamento, hoje de R$ 40 bilhões, poderá ser elevado, diz o secretário do Tesouro, Arno Augustin.
O Banco do Brasil também passou a fazer empréstimos para projetos de infraestrutura estaduais. Ontem, fez sua maior operação, de R$ 3,6 bilhões por 20 anos, com o Rio de Janeiro.
Crédito extra para Estados só deve ajudar PIB em 2013
Com dificuldades para destravar seus próprios investimentos, o governo federal decidiu usar os bancos públicas para alavancar as operações de crédito com os Estados e, desta forma, impulsionar as obras públicas. A medida faz parte da ofensiva para elevar os investimentos no segundo semestre e sustentar uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB) superior aos 2,7% registrados em 2011. Nos bastidores, no entanto, a própria área econômica avalia que o efeito de iniciativas como essa no crescimento será limitado neste ano. O impacto será mais evidente a partir de 2013.
Os planos do governo esbarram tanto nas regras fiscais como nas limitações legais por conta do cronograma eleitoral. Novos empréstimos não podem ser concedidos entre 7 de julho e o segundo turno, nas cidades em que ocorrer. Além disso, os próprios Estados, assim como o governo federal, têm dificuldades para melhorar a execução de seus orçamentos.
Para estimular o endividamento dos Estados, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, vai anunciar, na sexta-feira, em reunião da presidente Dilma Rousseff com os governadores, uma linha de crédito especial do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que poderá contar com mais de R$ 10 bilhões para os Estados que tiverem margem fiscal para elevar suas dívidas. Já o Banco do Brasil passou a fazer empréstimos para projetos de infraestrutura dos governos estaduais, coisa que antes não fazia. O primeiro contemplado, cujo contrato foi assinado ontem, foi o Rio de Janeiro (Ver matéria abaixo).
O diretor de governo do BB, Paulo Ricci, tentou desvincular a nova linha lançada pelo banco da decisão da área econômica de acelerar os empréstimos aos Estados. Segundo ele, essa modalidade de crédito já vem sendo analisada desde o ano passado. Além disso, o banco já trabalha com prestações de serviços, como crédito consignado, para 16 governos estaduais e já faz pequenos empréstimos, como por exemplo, para compra de ônibus escolares para algumas prefeituras.
Por enquanto, o banco já conversou com “quatro ou cinco” Estados sobre o assunto, mas Ricci não quis antecipar os nomes. “Não definimos um valor específico para destinarmos a essa nova linha. Tudo vai depender de avaliação de projetos e capacidade do Estado de pagar o recurso”, destacou Ricci. “Mas é obvio que neste ano existe a restrição eleitoral”, frisou o diretor do BB.
O modelo da operação realizada no Rio de Janeiro representa nova alternativa de funding para apoio aos projetos de investimento dos Estados, cuja margem para negociação de novos financiamentos com instituições financeiras foi bastante ampliada por meio do Programa de Ajuste Fiscal assinado pelo Governo Federal, em 2011. No total, o volume de crédito autorizado pelo Tesouro Nacional para apoiar projetos de investimentos dos Estados pode alcançar até R$ 39 bilhões.
Esse limite, no entanto, pode ser ampliado, admitiu ontem o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. Ele afirmou que os Estados ainda têm espaço fiscal para tomar empréstimos. “Nossa política é a de criar condições para que os Estados continuem com seus investimentos”, afirmou Augustin, lembrando que movimento parecido foi adotado pelo governo entre 2008 e 2009, num dos piores momentos da crise internacional.
Os limites de endividamento são ajustados todos os anos e o valor atual – de cerca de R$ 40 bilhões, segundo o secretário – pode ser revisado novamente se o governo achar conveniente para incentivar os investimentos. “Este ano vamos revisar novamente os valores e podemos trabalhar com um limite maior”. Segundo Augustin, a situação fiscal dos Estados está melhorando e isso abre espaço para esse tipo de iniciativa.
Mesmo com essa ação do governo, economistas estão pessimistas quanto ao aumento significativo do investimento no segundo semestre para sustentar um crescimento do PIB acima de 2,7%. “Não creio que nada do que está sendo feito ajudará a mudar a tendência de crescimento muito fraco para este ano, com crescimento que deverá ficar próximo de 2%. A crise internacional tem um peso muito maior do que a capacidade de estímulo do governo. Basicamente porque o pior da crise provavelmente ainda não passou e os investidores estão paralisados com essa perspectiva”, afirmou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
O governo federal tem apostado no aumento do investimento no segundo semestre para viabilizar um crescimento econômico superior que os 2,7% do ano passado. Os investimentos da União têm apresentado queda nos últimos meses e a equipe econômica está elaborando medidas para destravar a liberação de recursos, principalmente nos ministérios do Transporte e das Cidades. No primeiro quadrimestre deste ano, retirando os subsídios do Programa Minha Casa, Minha Vida, a queda de 3,5% na comparação com o mesmo período do ano anterior.
* Valor Econômico