TRF da 4ª Região altera cálculo de contribuição previdenciária
Uma cooperativa agroindustrial do Rio Grande do Sul conseguiu uma decisão considerada inédita no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, para voltar a recolher contribuição previdenciária sobre a folha de salários pela alíquota de 20%. Desde janeiro de 2013, a cooperativa era obrigada por lei a pagar o tributo com base em sua receita bruta. Parte dos produtos industrializados pela cooperativa entraram no regime jurídico obrigatório de “desoneração da folha de salários”.
Ao analisar o processo, o TRF entendeu que a intenção do governo federal ao realizar a alteração era estimular o crescimento da indústria nacional – segundo a exposição de motivos da Medida Provisória (MP) nº 582, de 2012, que alterou a Lei nº 12.546, de 2011. Com base nisso, os desembargadores permitiram que a cooperativa voltasse a recolher a contribuição previdenciária sobre a folha de salários.
O programa de desoneração da folha de salários foi benéfico para grande parte dos contribuintes. Porém, empresas com poucos funcionários ou que terceirizam parte de suas atividades e ainda pequenas prestadoras de serviço, com folha de pagamentos pequena e faturamento alto, foram prejudicadas pela medida. Na época, essas empresas pediram ao governo que a mudança na forma de recolhimento fosse facultativa. O pleito, porém, não foi atendido. Entre as principais prejudicadas estão as cooperativas, empresas das áreas de construção civil e de tecnologia da informação.
No processo, o advogado da cooperativa, Rafael Nichele, do escritório Cabanellos Schuh Advogados Associados, sustentou que os objetivos do governo federal de desonerar os contribuintes não foi alcançado no caso da cooperativa agroindustrial e que a empresa teve um aumento superior a R$ 220 mil por ano na carga tributária.
Como a cooperativa produz um mix de produtos derivados do leite e suínos, com a nova sistemática, passou a recolher sobre algumas mercadorias, presentes na lei, um percentual de 1% sobre sua receita bruta. Sobre os demais produtos, porém, permaneceu recolhendo 20% sobre a folha de salários. “Nessa decisão, a primeira que tenho conhecimento sobre o tema, o tribunal teve a sensibilidade de reconhecer que a lei gerou efeitos inversos ao que previa, no caso da cooperativa”, afirma Nichele.
Além de ser um precedente importante, a decisão poderia ser usada em outras situações, de acordo com tributaristas. O raciocínio do TRF poderia ser aplicado a discussões judiciais nas quais for demonstrado de que a real intenção do legislador não foi levada em consideração. “Se o entendimento do TRF ganhar força, podemos ter vitórias em outros temas ao mostra que a intenção do legislador não foi aplicada ao caso”, diz Nichele.
Ao analisar o processo, a primeira instância negou o pedido da cooperativa. Porém, os desembargadores da 2ª Turma do TRF da 4ª Região foram unânimes ao aceitar a argumentação do contribuinte. Da decisão, ainda cabe recurso.
Para a relatora, desembargadora federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, a alteração na forma de recolhimento da contribuição previdenciária, estabelecida pela Lei nº 12.546, não apresenta qualquer irregularidade e foi editada com base nas regras constitucionais.
Contudo, ao ver a exposição de motivos das medidas provisórias que instituíram a desoneração da folha de salários, a desembargadora entendeu que as normas tinham como objetivo fortalecer a indústria nacional e aumentar a produtividade.
A adoção da medida pelo governo, de acordo com a desembargadora, “foi favorável para grande parte das empresas contempladas pela substituição da base de cálculo da contribuição previdenciária, conforme as notícias veiculadas na mídia”. Principalmente para os setores que utilizam bastante mão de obra, “pois quanto mais intensiva em mão de obra é a empresa, maior o efeito de desoneração”. Entretanto, para outras que têm alto faturamento e poucos funcionários, que terceirizam parte de sua mão de obra e que produzem com alto valor agregado, “representou aumento de custo”, segundo a magistrada.
Para a desembargadora, se os dispositivos não preveem situações em que sua aplicação produz o efeito inverso, contrário aos seus objetivos, “surge a lacuna, que deve ser integrada pelo julgador, no caso concreto”. Nesse sentido, determinou que a cooperativa volte a recolher a contribuição sobre a folha de salários. Os demais desembargadores seguiram a relatora.
A decisão foi comemorada por advogados tributaristas. “A desoneração das folha cumpriu a sua finalidade em 98% dos casos. Porém há essas exceções, na qual essa decisão agora poderá servir de precendente”, diz o advogado Christian Lisboa Rodrigues, do Carpena Advogados Associados. Para Fabio Calcini, do Brasil Salomão & Matthes Advocacia, “cabe ao Judiciário em uma interpretação finalística deixar de aplicar a lei em casos concretos, nos quais existe uma majoração de tributos e não redução”. Segundo Calcini “a decisão é muito relevante ao corrigir distorções não pretendidas pela finalidade do texto da lei”.
A Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 4ª Região informou que ainda não foi intimada e que ” o feito está sob acompanhamento especial”. Segundo a nota, “somente após a intimação, serão avaliados os procedimentos processuais a serem adotados”.
Valor Econômico