Terceirização irrestrita anima setor empresarial
O negócio do grupo varejista Ri Happy é fazer as crianças sorrirem. Líder no mercado de brinquedos e vestuário infantil, com mais de 250 unidades espalhadas pelo Brasil, a empresa controlada pelo fundo americano Carlyle também é dona das marcas PBKids, Ri Happy Baby e Mundo Ri Happy. Desde a semana passada, a Ri Happy está fazendo a felicidade de muitos adultos.
A rede anunciou a contratação de 3 mil funcionários para reforçar os times de suas lojas. Os novos empregados atuarão nas funções de vendas, caixa, estoque, fiscal de loja e auxiliar de pacote. Eles serão recrutados de forma temporária para o melhor período do ano, o Dia das Crianças, em 12 de outubro, e muitos deles permanecerão até depois do Natal.
O recrutamento será feito por meio de uma espécie de Uber do emprego, o Leeve, aplicativo que une contratantes e candidatos às vagas com apoio de geolocalização. Ou seja, a plataforma indica qual são as oportunidades de trabalho mais próximas de sua casa. “Mais da metade das pessoas deseja trabalhar novamente conosco no período de sazonalidade do Natal e, em média, 30% são efetivados nos meses seguintes ao período trabalhado”, diz Elisabete Figueiredo, diretora de RH do grupo Ri Happy.
Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de endossar a terceirização irrestrita no país, na sexta-feira, muitos empresários se sentem mais encorajados a reformular seus modelos de relação de trabalho, criando um ambiente propício à geração de novas vagas.
Isso porque a decisão da instância máxima da Justiça brasileira extinguiu todas as discussões em torno da legalidade da terceirização da atividade-fim nas empresas e criou um ambiente de maior segurança jurídica aos empregadores. “O Brasil está deixando para trás um formato engessado para ir ao encontro de modelos bem-sucedidos de estímulo ao empreendedorismo e à atividade econômica”, afirma Neide Montesano, presidente da Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (Abmapro). “A flexibilização é um passo importante rumo a uma reforma tributária mais profunda, com a tão aguardada desoneração do setor produtivo.”
A tese da presidente Abmapro se sustenta em sua própria experiência de empresária. Como proprietária do Grupo Montesano, que inclui uma empresa de consultoria e uma fábrica de produtos cosméticos, ela está terceirizando parte de sua produção e que, curiosamente, terá vagas de salários maiores. “A empresa terceirizada, dentro do regime do Simples Nacional, pagará muito menos impostos e, com isso, conseguirá remunerar melhor os funcionários do que uma grande empresa que tem o peso tributário sobre as costas”, explica Neide. “O custo da folha de pagamentos, que para mim é de 90%, para uma terceirizada menor é de 30%.”
Com a terceirização irrestrita, o Brasil replica modelos já adotados em países como Alemanha, China, Japão, Suécia, Austrália e Noruega. Uma sondagem realizada pelo Sebrae constatou que 41% dos proprietários de pequenos negócios esperam aumentar o faturamento com o fornecimento dos serviços terceirizados para médias e grandes empresas e que metade das micro e pequenas empresas não têm interesse em terceirizar parte das suas atividades-fim.
Embora ainda seja cedo para medir os efeitos positivos da terceirização no mercado de trabalho, há sinalizações claras de que, no médio prazo, a flexibilização das relações de trabalho será positiva para patrões e empregados.
A maior companhia aérea da América Latina, a Latam Airlines, anunciou na semana passada que desligará 1,2 mil funcionários nos aeroportos de Guarulhos, em São Paulo, e Galeão, no Rio de Janeiro, para terceirizar à empresa Orbital-WFS as operações de rampa e limpeza, gestão de equipamentos de solo e atendimento a clientes com bagagens perdidas ou danificadas. No entanto, o que parecia inicialmente uma má notícia, deve ser apenas uma reformatação dos antigos modelos de relação trabalhista.
“O segmento de ‘ground handling’ (operação de solo) foi um dos únicos no Brasil que atravessou o período de crise com aumento no quadro de pessoal, e agora seguimos ampliando o contingente de mão de obra”, disse o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo (Abesata), Ricardo Aparecido Miguel. “Em todo o mundo, essa função é desempenhada por empresas terceiras. Enquanto a média mundial é de 50%, no Brasil passou de 30%, em 2014, para 40% atualmente.”
Segurança Jurídica
Além do custo de contratar, uma reclamação recorrente entre as empresas era de que as diferentes interpretações de juízes do trabalho geravam incertezas sobre a legitimidade de cobranças judiciais. “Esta é a primeira vez que a terceirização é tratada com a previsibilidade de uma lei”, afirma Ivo Dall’acqua Júnior, vice-presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP). “Isso precisava ser encarado de frente.”
Prova de que a terceirização irrestrita deverá desatar o nó das relações de trabalho é a estimativa de que a decisão do STF coloca um ponto final em cerca de 4 mil processos trabalhistas que aguardavam essa definição para terem algum andamento nas diversas instâncias judiciais. Desde a última semana, todos os magistrados terão de se basear na interpretação final do Supremo ao sentenciarem casos de terceirização.
“Não há dúvidas de que a definitiva regulamentação das terceirizações é benéfica para a geração de empregos, uma iniciativa fundamental na atual conjuntura econômica, com milhões de desempregados”, diz o economista José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP.
De acordo com o presidente da multinacional italiana de terceirização Almaviva, Francesco Renzetti, o fim da insegurança jurídica provocará um aumento no número de postos de trabalho. “Em nenhum lugar do mundo onde atuamos há diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio, algo que causava questionamentos no Brasil.”
“Com o recrudescimento da economia, que ganhou contornos mundiais a partir de 2008, a terceirização da atividade-fim tornou-se uma necessidade global”, afirma o advogado especialista em relações de trabalho, Fábio Vasques. “O fato de o STF ter julgado lícita a terceirização de qualquer atividade da empresa apenas reforça o nítido caráter de nosso século 21, que exige uma reforma profunda no modo de sentir e pensar a relação jurídica entre os seres humanos, o que também inclui as relações entre capital e trabalho.”
O que muda com a com a nova lei
Saiba as respostas às dúvidas mais frequentes sobre a terceirização irrestrita
A decisão vale para todos os contratos de trabalho?
Sim. Os funcionários que hoje estão sob regime da CLT não poderão ter suas relações de trabalho alteradas, mas os novos contratados já podem se enquadrar na nova lei. Especialistas acreditam que até funcionários públicos podem estar sujeitos à terceirização após da decisão do STF.
Como ficarão os processos trabalhistas que tramitam na Justiça?
As ações que contestam a terceirização de atividade-fim devem ser rejeitadas com base nessa nova legislação. Processos que estavam com julgamento suspenso, aguardando a definição do Supremo, poderão ser retomados e seguirão normalmente. Aqueles que foram julgados, mas não transitaram em julgado, podem receber recursos com base no novo entendimento.
As empresas podem substituir todos os trabalhadores por terceirizados?
Depende. Os terceirizados não podem ter características de vínculo empregatício, como subordinação e frequência dos trabalhadores. Se houver, a Justiça pode considerar a terceirização uma fraude e condenar a empresa a pagar todos os direitos trabalhistas.
A empresa pode demitir um funcionário registrado e recontratá-lo como terceirizado?
Não imediatamente. O funcionário só pode ser recontratado como terceirizado depois de 18 meses da demissão.
Os terceirizados não terão direitos trabalhistas?
Todos os direitos da CLT permanecem. O terceirizado continuará sendo um funcionário, mas subordinados a uma outra empresa.
Os salários serão reduzidos?
A remuneração vai variar conforme a negociação, desde que não desrespeite os pisos e jornadas de cada categoria.
A empresa que terceirizar poderá responder judicialmente por direitos trabalhistas?
Sim, ela será corresponsável. Se a prestadora de serviço não pagar, a empresa principal terá de cobrir as indenizações trabalhistas.
Fonte: Jornal Estado de Minas