Salto improvável de receita é aposta de Dilma para ajuste
Meta fiscal depende de projeção otimista para arrecadação de impostos. Cortes ainda não foram definidos, mas obras novas como creches e prontos-socorros devem ser afetadas.
Mesmo que o corte recorde de gastos anunciado anteontem seja efetuado, o ajuste fiscal prometido pela presidente Dilma Rousseff só será viabilizado se o crescimento da arrecadação de impostos neste ano confirmar as projeções otimistas em que as contas do governo se baseiam.
De acordo com os números apresentados pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento, o superavit primário -parcela poupada para o abatimento da dívida pública- a ser buscado neste ano depende de uma receita equivalente a 19,8% do PIB (Produto Interno Bruto).
Trata-se de um salto brusco em relação ao que se observou no passado recente. De 2007 a 2010, a receita da União ficou estável, oscilando entre 19,2% e 19,3% do PIB, sem contar as manobras contábeis que inflaram o caixa do Tesouro Nacional.
Em dinheiro, a diferença entre a previsão posta no papel pela área econômica e os resultados que vêm sendo efetivamente obtidos passa dos R$ 20 bilhões, o equivalente a um quarto da meta de superavit divulgada para conter a piora das expectativas de inflação no mercado.
Executivo e Legislativo superestimaram a arrecadação nos Orçamentos de 2009 e 2010 -quando, não por acaso, as metas fiscais deixaram de ser cumpridas. Na primeira vez, o motivo foi o impacto inesperado da crise econômica. Na segunda, o otimismo das projeções alimentou a alta das despesas no ano da eleição presidencial.
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Quando as previsões não se confirmaram, a saída foi recorrer a artifícios que, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não se repetirão agora, como contabilizar como ganho do Tesouro o resultado da complexa operação de capitalização da Petrobras, em que o Tesouro se endividou para financiar a estatal e prepará-la para a exploração do pré-sal.
Em tese, se as projeções feitas para a arrecadação do governo forem novamente frustradas, seria necessário promover bloqueios adicionais das despesas programadas para o ano. Mas é improvável um corte superior aos R$ 50 bilhões já anunciados.
A medida atingirá programas classificados como de execução não obrigatória, cujo valor total, segundo o Planejamento, é de R$ 213 bilhões. Essa conta, porém, inclui pelo menos R$ 40 bilhões em verbas da saúde que, embora possam ser remanejadas, devem se manter dentro de limites mínimos.
Também estão incluídos R$ 40,6 bilhões em projetos do PAC, que o governo promete poupar de cortes para livrar Dilma do constrangimento de romper compromissos de campanha.
Na prática, obras novas, como a construção de creches, prontos-socorros, quadras esportivas e postos de saúde, terão execução baixa ou nula neste ano, até porque dependem da negociação de convênios com governos estaduais e prefeituras.
Dilma veta 662 emendas que somam R$ 1,1 bi
A presidente Dilma Rousseff vetou ontem 662 emendas parlamentares no valor total de R$ 1,1 bilhão. Se sancionadas, tais propostas teriam de obrigatoriamente ser pagas pelo governo.
Deputados e senadores usaram uma brecha no Orçamento para tentar fugir da tesoura, encaminhando emendas em rubricas livres de contingenciamento.
A maior parte delas refere-se à complementação de programas dos ministérios de Ciência e Tecnologia, Cultura, Mulheres, Agricultura e Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
As emendas parlamentares somam R$ 21 bilhões. Os deputados estimam que o governo represará R$ 18 bilhões, cerca de 80%.
Esse corte de emendas não contingenciáveis não ocorreu em 2010. Desta vez, o Planalto percebeu a manobra e alertou os congressistas de que vetaria todas as propostas para ficar desobrigado do pagamento.
“Todos os deputados e senadores que apresentaram essas emendas foram avisados pelo governo de que não seriam sancionadas. Mas muitos insistiram para se beneficiar nas eleições”, disse o deputado Gilmar Machado (PT-MG).
Além dessas emendas, o Planalto também vetou um bloco de propostas relacionadas ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que também não poderiam ser contingenciadas.
* Folha de S. Paulo