Risco de crédito de PMEs é menor do que se calcula
José Alejandro Flores tentou obter um empréstimo com bancos privados na Guatemala três vezes para armar a Vos, uma fabricante de chinelos ecológicos, mas seu pedido foi rejeitado nas três ocasiões.
“O principal argumento dos bancos era que a empresa não gerava receita suficiente e não tinha histórico suficiente para justificar o montante solicitado”, diz Flores sobre suas tentativas de encontrar financiamento em 2008. Com o apoio da família, o empreendedor juntou US$ 100.000 em capital semente para abrir o negócio.
Hoje, cinco anos depois de iniciar a montagem da fábrica de calçados na Cidade da Guatemala, Flores quer ampliar a produção dos atuais 14.000 pares por ano para 25.000 ao longo dos próximos dois anos. Mas em vez de voltar a bater às portas de bancos, ele decidiu participar da Ideia, uma iniciativa patrocinada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pela Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional para promover parcerias entre pequenos empresários latino-americanos e americanos. Flores ficou entre os 10 finalistas e pode ganhar um prêmio avaliado em US$ 150.000, incluindo US$ 50.000 em dinheiro.
Uma percepção de risco elevado, tanto das instituições financeiras em relação a micro e pequenas empresas quanto de empresários em relação aos bancos, continua sendo um dos principais obstáculos para aqueles que querem abrir um negócio na América Latina. De todas as empresas da região, 99% são de pequeno e médio portes (PMEs) e nelas trabalham 67% da mão de obra da América Latina, segundo um relatório conjunto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento e a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe da ONU publicado este ano. Ainda assim, as empresas nesse segmento receberam apenas 12% do crédito disponível em 2012, de acordo com o relatório.
“Estamos convencidos de que há uma percepção distorcida em termos do risco de crédito associado a pequenas e médias empresas”, diz Orlando Ferreira, diretor geral de operações da Corporação Interamericana de Investimentos (CII), uma agência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) focada no financiamento de pequenas e médias empresas da região.
Para Ferreira, o problema é que os bancos têm se concentrado em empresas estabelecidas e não desenvolveram ferramentas para entender o segmento. “Nossa experiência nos diz que esse setor é menos arriscado do que muitos acreditam”, diz ele. A CII oferece financiamento em 23 países da América Latina e do Caribe, com uma carteira de US$ 1,1 bilhão, 85% do valor destinado às PMEs.
Ciente do vácuo para avaliar esse risco, a empresária colombiana Lilian Simbaqueba decidiu criar, em 1996, a Lisim, firma que oferece ferramentas para medir a capacidade de pagamento de empresas. “Por meio de modelos estatísticos, que analisam tendências em grandes populações, levando em conta fatores como o sexo, atividades mais comuns e economia, criamos um perfil potencial de pagamento que ajuda os bancos […] a avaliar o risco de um microempresário”, diz Simbaqueba, que estudou matemática e engenharia de sistemas. Os cerca de 30 clientes da Lisim, que incluem nomes como a Movistar, Hyundai e Bancolombia, operam na Colômbia, Peru e México. A empresa tem uma receita anual de US$ 3 milhões.
A experiência de Simbaqueba também sugere que o nível de risco oferecido aos credores é menor do que o que eles acreditam. “Não é que os microempreendedores sejam maus pagadores,[…] mas se dão a eles mais do que podem aguentar (daí a necessidade de se fazer um cálculo correto) eles vão aceitar e depois não terão como responder”, diz.
Juan Nicolás Suárez, fundador e diretor-presidente da Diseclar, empresa de Cali, na Colômbia, que tem a meta de fabricar móveis com resíduos orgânicos (fibra de café e bagaço de cana) foi vítima da tendência dos bancos a favorecer empresas estabelecidas.
“Os bancos na Colômbia não gostam de investir em empresas iniciantes e, se liberam crédito, é a juros exorbitantes”, diz Suárez, que criou sua empresa este ano e pediu empréstimos ao Bancolombia e ao Bancoomeva, mas os juros de 2,8% ao mês que cobravam se traduziam em pagamentos mensais altos demais. “Começar um negócio não é fácil e fazê-lo endividado é pior ainda.”
A Diseclar, que também foi uma das finalistas do concurso Idea, levantou cerca de US$ 100.000 para iniciar a produção em janeiro através de prêmios em várias competições na Colômbia e em outros países, incluindo um do Fundo Empreender, do governo colombiano, que proporcionou à empresa um capital inicial de US$ 55.000.
Mais que os juros, Simbaqueba acha que o problema é cultural, uma desconfiança inerente do empresário em relação às instituições financeiras, o que gera uma autoexclusão. “Muitos sentem pânico […] O próprio empreendedor prefere um agiota porque sente mais confiança, e as taxas de juros são altíssimas”, diz a empresária.
Em um estudo recente encomendado pela administradora de cartões de crédito Visa Inc. com líderes de 1.500 pequenas empresas em oito países da América Latina, apenas 17% disseram ter usado um empréstimo de qualquer tipo em 2012, apesar de 47% deles terem afirmado que o crédito é uma parte fundamental do seu negócio.
Embora as instituições financeiras tenham aumentado o uso de ferramentas para medir a capacidade de pagamento de um devedor em potencial, elas continuam tímidas em suas ofertas de crédito para pequenas e médias empresas.
“Falta maturidade a este respeito em adequar os métodos de avaliação aos altos níveis de informalidade da América Latina”, diz Diego Rodriguez, diretor regional de soluções comerciais da Visa para América Latina e Caribe. “À medida que os bancos encontram formas de verificar a capacidade de pagamento das empresas, estarão obviamente mais dispostos a oferecer a elas produtos bancários.”
Valor Econômico