Regulamentação de lei pretende resolver transtornos comerciais
Engodos comerciais assombram consumidores até mesmo em transações fictícias, como a repercutida na comédia shakespeariana O Mercador de Veneza. Em situações pacíficas do mundo moderno, na qual as trocas geram juros e não promessas de carne do próprio devedor, criam-se artifícios jurídicos que propõem a defesa dos direitos dos compradores. Uma delas, pouco difundida entre leigos e trabalhadores do ramo, é a Lei do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC).
A defensora pública do Estado e diretora do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) Adriana Fagundes Burger garante que um enorme esforço tem sido feito para exigir a qualificação do atendimento do SAC. “A legislação atinge serviços regulados pelo poder público federal. Serve para questões de energia elétrica, telefonia, cartões de crédito, ônibus interestadual, planos de saúde, em suma, demandas que geram qualidade de vida. Na época, as pessoas tentavam utilizá-la para compras nas Casas Bahia, por exemplo. Não é para isso que ela foi feita”, alerta Adriana.
Entretanto, a lei ainda não foi regulamentada. De acordo com o advogado Fábio Maciel Ferreira, a falha no regramento resulta na ausência de fiscalização. “Quem é obrigado a prestar um serviço coerente e eficaz de atendimento ao consumidor não se sente compelido a cumpri-lo”, lamenta. “A lei está em vigor desde 2008, mas a regulamentação segue a espera de aprovação no Congresso Nacional. Em relação aos produtos adquiridos, estamos bem protegidos. Mas quanto ao serviço, estamos desamparados.”
Ferreira revela que, agora, existe a questão da punição. “Se as exigências não forem cumpridas, quem faltar com as obrigações será punido, provavelmente com multa”, alerta. Além disso, o controle será mais rigoroso. “Com o Marco Civil da Internet, alguns aspectos serão alterados. Os serviços online, por exemplo, serão monitorados.” Adriana reitera a importância da divulgação dos efeitos dessa lei. “Somos consumidores desde que acordamos. Consumimos água, que deveria ser adequada; compramos passagens de ônibus; nossa moradia deveria ser apropriada. Para o consumidor, as vantagens são indiscutíveis”, afirma. “Porém, sem conhecimento, não há eficácia. Mesmo entre atuantes do Direito, há pouca familiaridade com a lei.”
Como o consumidor é beneficiado
Na prática, as alterações já podem ser verificadas. Ligações para 0800, por exemplo, devem ser gratuitas, e é obrigatório que as empresas recebam ligações tanto de celulares como de telefones públicos. “Quando uma empresa se recusa a atender chamadas de celulares, é passível de multa. Espera-se que o atendimento seja mais rápido também”, lembra Adriana. Aquelas famosas musiquinhas que tocam enquanto o cliente espera que seu problema receba alguma atenção não podem, de acordo com a lei, promover a publicidade da empresa. E, conforme o artigo 12 da Lei do SAC, a Lei 8.078, “é vedado solicitar a repetição da demanda do consumidor após seu registro pelo primeiro atendente”, ou seja, o cliente não é obrigado a repetir a história a cada um dos atendentes. “Essas pequenas conquistas são resultado de reuniões do sistema nacional de Defesa do Consumidor, dos Procons, das Defensorias, quando foi constatado que 80% das reclamações eram acerca do atendimento. Quando o Procon intervia, quase todas as demandas eram solucionadas. Por que o descaso quando a solicitação parte do consumidor?”, questiona a defensora pública.
Além disso, é praxe que as empresas mantenham o registro da gravação do pedido do consumidor por, no mínimo, 90 dias. “Se alguém liga três vezes para tentar alterar uma passagem aérea, por exemplo, essa pessoa pode requisitar o acesso a esse conteúdo para que seja incluso no processo judicial. Demonstra a boa-fé do consumidor, que tentou resolver primeiramente por atendimento eletrônico e só procurou o Judiciário quando não teve seu pedido solucionado”, revela Adriana. Ela também alerta que o registro da resolução da demanda deve ser mantido pela empresa por dois anos, mesmo após a solução do problema.
Ferreira destaca que o objetivo da regulamentação é o controle coletivo da situação. “Além da reclamação pessoal e da demanda judicial, é bom que haja um controle das empresas. Quando uma empresa recebe mil reclamações por mês, algo está errado. Uma multa pode ser uma boa alternativa para que ela procure regularizar a situação”, conclui.
Mais de 50 projetos de lei estão em discussão no CNJ para que esse trabalho seja organizado. A proposta está parada na Câmara dos Deputados desde 2010 e sem prazo definido para votações.
Fonte: Jornal do Comércio