Produtividade perde dos salários em 70% dos setores industriais
Conjuntura: Resultado do primeiro bimestre em relação a 2010 traz riscos para a inflação, dizem economistas.
No primeiro bimestre do ano, o avanço dos salários acima da variação da produtividade foi generalizado. Além da indústria extrativa, isso ocorreu em 12 dos 17 setores da indústria de transformação que aparecem na Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário (Pimes), com destaque para os segmentos de produtos químicos, coque, refino de petróleo e álcool e máquinas e equipamentos. A comparação é com o mesmo período do ano passado.
No segmento de produtos químicos, por exemplo, a folha de pagamento por trabalhador aumentou 6,7% no primeiro bimestre, descontada a inflação, ao passo que a produtividade encolheu 3,1%, em relação aos mesmos meses de 2010. Em 12 meses, os salários no segmento avançaram 5% acima da inflação, enquanto os ganhos de eficiência subiram 1,9%, resultado da comparação da alta 3,5% da produção e de 1,9% do número de horas pagas aos trabalhadores.
Segundo o Índice de Preços ao Produtor (IPP), lançado na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as cotações de produtos químicos subiram 7,6% no primeiro bimestre e 13,6% em 12 meses. A influência da alta do petróleo sobre o setor parece mais relevante para esse movimento, mas os custos salariais em alta também podem contribuir para as empresas reajustarem os preços.
Para o analista-sênior para a América Latina da consultoria Medley Global Advisors, Bernardo Wjuniski, o crescimento dos salários a um ritmo superior ao da produtividade tem ajudado a empurrar a inflação para cima, num cenário de demanda ainda forte. Segundo ele, quem sofre muito a concorrência do importado comprime margens de lucros, mas há uma parte razoável das empresas que tem conseguido repassar esses aumentos de custos. Em 12 meses até março, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 6,3%, perto do teto da meta, de 6,5%.
A produtividade se enfraqueceu nos últimos meses devido à perda de fôlego da indústria, algo esboçado no segundo trimestre de 2010 e confirmada a partir da segunda metade do ano. A questão é que a produção passou a patinar, mas o mesmo não ocorreu com o número de horas pagas e com os gastos salariais das empresas.
Em 2010, por exemplo, a produção industrial cresceu 10,5%, uma alta concentrada especialmente no começo do ano. Nos 12 meses até fevereiro, o aumento já perdeu fôlego, atingindo 8,6%. Enquanto isso, o número de horas pagas, que tinha crescido 4,1% em 2010, avançou 4,4% nos 12 meses até fevereiro.
O professor Carlos Eduardo Gonçalves, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, diz que a produtividade, medida pela comparação da produção com o número de horas pagas, tem um caráter muito cíclico – sobe muito quando a produção avança, e a cair muito quando ela recua, enquanto o número de horas pagas varia menos, dado o custo elevado de se contratar e demitir no Brasil. Os números podem sugerir ganhos ou perdas de eficiência de modo exagerado.
Feita essa ressalva, Gonçalves vê riscos de que os salários aumentem com força, num momento em que os índices de preços em 12 meses estão pressionados, em meio a um choque de commodities, e há dúvidas quanto à credibilidade anti-inflacionária do Banco Central. Nesse cenário, observa ele, aumenta o risco de indexação dos salários à inflação passada, o que infla o custo do trabalho da indústria.
Na admissão, ganho real chega a 10%
O ritmo de crescimento dos salários dos novos contratados evidencia a força do mercado de trabalho. Nos 12 meses acumulados até janeiro, o valor do rendimento inicial aumentou 10,7% no comércio e 6,6% na indústria, já descontada a inflação. Na média de todos os setores, a expansão é de 4,9%, também em termos reais. Os cálculos são da MB Associados, a partir das informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Os dados de janeiro são os mais recentes disponíveis.
O economista-chefe da MB, Sérgio Vale, destaca o nível baixo do desemprego no Brasil, que continua rodando nas mínimas históricas. Nesse cenário, há uma alta forte até mesmo dos salários dos novos contratados, algo que ocorre em todo os segmentos do setor privado. Na construção civil, a alta real em 12 meses é de 5,9%.
Em fevereiro, a taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas do país ficou em 6%, na série com ajuste sazonal calculada pela Quest Investimentos. É o piso da série iniciada em 2002. “Em qualquer modelo macroeconômico, a principal variável para explicar o movimento dos salários é a taxa de desemprego”, diz o economista Fábio Ramos, da Quest.
Para ele, o aquecimento do mercado de trabalho hoje chegou a um nível em que não falta apenas mão de obra qualificada. Em muitos casos, há escassez também de trabalhadores sem maior qualificação. No segmento de empregado doméstico, os salários têm subido bastante, mas há redução do nível de ocupados, porque há uma migração de parte dos trabalhadores para outras funções.
Nos serviços, os salários para novos contratados aumentaram 4,3%, descontada a inflação. Essa elevação dos custos salariais ajuda a explicar em alguma medida a elevação dos preços de serviços, hoje uma das principais fontes de pressão inflacionária, diz Vale. Segundo ele, a inflação em alta come parte do rendimento real, mas os salários têm continuado a crescer a taxas elevadas em termos nominais.
Ele chama a atenção para o fato de que, no começo do terceiro trimestre, a inflação estará rodando na casa de 7% ou mais em 12 meses, justamente o período em que há dissídios de categorias importantes de trabalhadores. Isso pode desencadear uma onda de reajustes bastante elevados, a depender do ritmo da demanda.
* Valor Econômico