Produtividade avança, mas ainda enfrenta gargalos
Desde que a estrutura de trabalho conhecida como linha de montagem foi desenvolvida por Henry Ford, no início do século XX, a produtividade passou a ser palavra-chave entre economistas e empresários. O efeito do fordismo elevou a competitividade entre as empresas a um outro patamar. Para estar bem-posicionado, a eficiência tornou-se imprescindível. Na consolidação mundial, esse fator também ganhou evidência, já que os países mais prolíferos tendem a oferecer os melhores ambientes de negócios e resultados financeiros. A produtividade, então, consagrou-se como um dos termômetros macroeconômicos. Seu cálculo mais simples observa dois fatores: o Produto Interno Bruto (PIB) dividido pela quantia de pessoas ocupadas ou pelo número de horas trabalhadas. O resultado é a média de contribuição de pessoas ativas na geração de riqueza.
Nesse cenário, o Brasil está mal posicionado. De acordo com o relatório de competitividade global do Fórum Econômico Mundial, o País ocupa a 57ª posição geral. Entre o Brics, está em penúltimo lugar, abaixo da China (28º), Rússia (53º) e África do Sul (56º), ficando à frente apenas da Índia (71º).
Divulgado no início de setembro, o ranking 2014-2015 traz, nas cinco primeiras posições, Suíça, Cingapura, Estados Unidos, Finlândia e Alemanha, respectivamente. Na comparação com os vizinhos da América Latina, o Brasil é o quarto melhor colocado entre as 10 principais nações locais, atrás do Chile, Panamá e Costa Rica.
Mesmo ocupando posição não tão privilegiada neste ano, o Brasil sofreu uma elevação considerável quando os dados recentes são comparados com o levantamento relativo a 2007-2008, em que o País figurava como o 72º colocado. Um ano depois, o documento 2008-2009 divulgaria o Brasil como 64º. Mais recentemente, o País tem oscilado entre o 53º (ranking 2011-2012) e 57º (no mais recente).
Esse movimento representa bem o momento econômico do País, que tenta manter as conquistas obtidas na última década em um contexto de baixo desempenho. “Está havendo um crescimento no Brasil como não se via há 20 anos”, sacramenta o economista Luiz Augusto Faria, da Fundação de Economia e Estatística (FEE). “Temos saldo positivo desde 2003 para 2004. Antes, o incremento estava restrito à agropecuária. De 2004 para cá, tem se distribuído entre indústria e serviços”, acrescenta.
Esse ganho recente equilibra aqueles mais baixos ou negativos de décadas anteriores. No período mais crítico, nos anos 1980, a produtividade média caiu. Na fase seguinte, durante os anos 1990, houve um aumento pequeno, detalha o economista. Faria pontua que esse provento recente vem atrelado ao ganho de rendimento dos empregados, o que é um fato novo. “Antes, as empresas lucravam em cima do ganho do empregado; com o aumento da renda, elas estão perdendo um pouco na margem de lucro.”
A discussão sobre o aumento da renda e da empregabilidade, que tem colocado economistas em lados opostos, dependendo do viés analisado, retorna ao fordismo, estabelece Faria. “É uma discussão centenária, e só agora o Brasil está chegando nela. Henry Ford resolveu pagar três vezes mais aos seus funcionários e todo mundo dizia que ele era louco. Mas para quem venderia seus carros se os operários não tivessem condições de compra-los?”
Quando se observa a produtividade brasileira a partir dos segmentos econômicos, o cenário é conflitante. Enquanto atividades como a indústria declinam, setores que vêm puxando a economia, como o agronegócio e o comércio de bens e serviços, disparam. Para o economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fábio Bentes, os indicadores têm acompanhado a performance recente, principalmente do varejo. “Nos últimos cinco anos, podemos dizer que houve um avanço médio de 5% ao ano, e os serviços cresceram 3,2%”, detalha.
Entre as razões que justificam esse crescimento, o recente modelo de estímulo ao consumo é um dos fatores preponderantes, mas não exclusivo. Bentes esclarece que a qualificação da mão de obra tem sido crescente no segmento, o que sustenta os efeitos positivos. Já no contexto macroeconômico, o câmbio valorizado tem favorecido a importação de produtos comercializados aqui, suplantando, ainda mais, o desempenho do ramo.
“Os comerciários ficaram mais produtivos, porque houve uma maior qualificação”, sustenta. Se considerados todos os graus de escolaridade, o profissional com nível superior completo é o que mais tem sido absorvido. Para o economista Luiz Augusto Faria, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), o aperfeiçoamento é um dos indicadores que mais influenciaram nos ganhos de maneira geral. “Em 10 anos, nós passamos de 1 milhão de alunos do Ensino Técnico para 8 milhões. Na universidade, esse montante passou de 2 milhões para 7,5 milhões”, contabiliza.
De acordo com dados da Confederação Nacional do Comércio, de 2007 a 2013, o total de indivíduos que atuam no setor que têm menos preparo reduziu em 23,7% para os analfabetos, 22,8% entre os que têm até o 5º ano do Ensino Fundamental, 12,4%, para os que cursaram do 6º a 9º do Ensino Fundamental, e 7,1% entre os que têm o Ensino Fundamental completo.
Já nos demais níveis, a trajetória é de evolução no mesmo período. A quantidade de trabalhadores com Ensino Médio incompleto subiu 16,7%. Já o percentual dos que completaram o Ensino Médio sofreu alta de 70%. Entre universitários que ainda não completaram a graduação, a elevação foi de 25,7%. Já os que completaram o Ensino Superior foram ampliados em 87,7%. Mesmo aqueles que têm pós-graduação, que respondem em menor número pela força de trabalho na atividade, sofreram variação surpreendente, com alta de 129,7% para os que têm mestrado e de 124,5% para os que têm doutorado, nos últimos seis anos.
“Se formos destrinchar mais o ganho de salário entre esses grupos, aqueles mais qualificados tiveram um prêmio extra por conta dessa maior produtividade”, dimensiona Bentes. A média salarial em 2013 foi de R$ 1.490,00 no Brasil. A variação de acordo com o nível escolar é significativa. Para demonstrar a distinção entre subir um degrau na formação acadêmica, basta observar a diferença de salário entre um profissional com Ensino Superior incompleto, com vencimentos de R$ 2.153,29, e outro com Ensino Superior completo, com renda de R$ 4.289,01.
O rendimento dos funcionários desse segmento também tem um componente extra: as comissões. “É um estímulo”, afirma o economista da CNC. E, novamente, aqueles que têm maior capacitação conseguem obter melhores resultados. Bentes ressalta que indivíduos com Ensino Médio completo respondem pela maior parte de pessoas que atuam no varejo. Do total, eles representam 61,9%, muito acima dos que têm Ensino Superior incompleto (3,1%) e dos que já concluíram a graduação universitária (4,7%). Ainda assim, a tendência é de que o segmento absorva cada vez mais os profissionais mais qualificados.
Apesar do cenário positivo, o setor não vai fechar o ano da forma que esperava. “Este vai ser um ano ruim, devemos ter o menor desempenho desde 2003”, constata Bentes. “Não é crise, mas é uma situação menos confortável”, esclarece. Com a produtividade comprometida em um ano de desempenho reduzido, uma das variáveis na composição do indicador tem que ser alterada. Se não há crescimento, é o emprego que cai. “O emprego já está crescendo menos do que nos anos anteriores”, sinaliza Bentes. Num cenário de curto prazo, a tendência deve ser mantida, pelo menos até o primeiro semestre de 2015, prevê.
Mesmo com a alta da qualificação da mão de obra, a indústria não deslancha. Segundo avaliação do gerente executivo de Pesquisa e Competitividade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato Fonseca, o grau de instrução – um dos principais pontos relativos à elevação da produtividade – ainda está aquém das necessidades do segmento.
“A qualificação ainda está muito abaixo do esperado”, pontua, destacando que ainda há deficiência em recursos humanos. “Engenheiro, economista e torneiro mecânico formados que venham do Ensino Básico com deficiências de cálculo e de interpretação de texto ainda são comuns e isso poda a criatividade”, detalha. Para Fonseca, muitas vezes, a pós-graduação não sinaliza para um aprimoramento, mas está centrada em compensar deficiências.“Nos últimos anos, o crescimento da produção teve como principal fator o aumento no emprego, o que resultou em contratação de pessoal não qualificado. Como consequência, a produtividade se reduziu”, avalia.
Para o economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) Maurício Canêdo, o mercado está mais aquecido, e isso tem levado as empresas a contratarem quem está desocupado. “Com a necessidade de mais mão de obra, contrata-se um funcionário pouco qualificado, e isso também tem consequências.”
Conforme pondera Fonseca, a eficiência da indústria deveria ter sido sustentada, ainda durante a década de 1990, pela força de trabalho qualificada, o que auxiliaria o setor a enfrentar períodos conturbados como o atual. Nos últimos anos, com a valorização do Real, a importação ganhou mais espaço no País, reduzindo a competitividade dos produtos nacionais.
Diante desse cenário, o potencial de investimento dos empresários do ramo reduz, criando com ciclo vicioso do qual é difícil escapar, já que a elevação do desempenho também depende dos investimentos em inovação. Por essa razão, é importante debater a política industrial do País, defende o economista Luiz Augusto Faria, da FEE. “É um risco para o futuro”, diz.
E não é um risco apenas para o segmento, mas todas as outras atividades acabam sendo impactadas. Primeiro, porque a indústria puxa o setor de serviços. Além disso, os agronegócios dependem das inovações tecnológicas, que têm sustentado a elevação da eficiência no setor primário, que aumentou 170,53% desde 1976 até este ano, segundo a série histórica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A produção industrial também tem impacto sobre o comércio, tanto pelo efeito no bolso dos funcionários quanto pelos insumos comercializados no mercado.
A saída possível e que favorece todos os segmentos é melhorar o ambiente econômico. “Os empresários veem o custo crescer: é a questão da competitividade, logística, burocracia, custo Brasil. A indústria brasileira caiu em uma armadilha e perdeu mercado; para ganhar mercado, tem que investir em novas tecnologias. No entanto, sem um cenário econômico favorável, contém o investimento e gera um problema para ela mesma”, consolida Fonseca.
“É necessário melhorar o ambiente econômico, com transparência e uma política fiscal mais realista. Isso já ajudaria bastante a fomentar a confiança dos empresários e a taxa de investimento”, elenca Canêdo. Na esfera estrutural, o economista do Ibre-FGV destaca a necessidade de avançar nas concessões, além da importância em reduzir, pelo menos, a burocracia tributária, que, segundo ele, sacrifica mais de 2 mil horas trabalhadas por ano.
“Paga-se muito imposto, e a burocracia é altíssima. Não é amigável”, estabelece. De acordo com Canêdo, parte dessas mudanças necessita de décadas para ser concretizada, mas precisa ser iniciada o quanto antes.
Jornal do Comércio