Por que escrever corretamente ainda é importante para conseguir empregos e evitar conflitos
Foi-se o tempo em que dicionários de capa dura ficavam sobre as mesas, e secretárias digitavam cuidadosamente cada documento. Grande parte dos negócios diários hoje ocorre velozmente em telas minúsculas do celular. Com a tecnologia reduzindo o tamanho dos aparelhos, e uma pressão crescente por respostas rápidas, é mais fácil cometer erros de digitação. Ou pior, que o sistema de correção automática acrescente uma palavra equivocada.
A grande maioria provavelmente já notou isso: sites e publicações online estão repletos de erros de digitação, e até mesmo líderes mundiais às vezes não checam seu tuítes antes de pressionar o “enviar”. Como se esquecer do tuíte do presidente dos EUA, Donald Trump que virou meme, com o termo “covfefe”?
Mas se ninguém está imune, e a tecnologia está tornando o erro de digitação um lugar comum, a ortografia precisa deixou de ser tão valorizada? Está tudo bem digitar incorretamente?
Não necessariamente. Alguns erros de digitação são inofensivos e engraçados, mas muitos não. Um simples erro pode não apenas nos fazer parecer menos inteligentes, mas ainda gerar confusão, perder a clareza e, em casos extremos, custar milhões em vendas perdidas, arruinar relacionamentos com clientes e oportunidades de emprego. E mais: pode até estragar sua chance de encontrar o amor pela internet.
Checagem ortográfica: parte do problema
As ferramentas de checagem ortográfica automática pareciam ser a saída, mas acabaram criando um novo problema, afirma Anne Trubek, especialista em novas tecnologias de escrita e fundadora da publicação independente Belt Publishing, nos Estados Unidos.
Uma comparação de longo prazo dos erros cometidos em redações de estudantes universitários nos Estados Unidos identificou que descuidos na ortografia eram os mais comuns. Hoje, o principal escorrego do estudante é usar uma palavra errada para o contexto, segundo Trubek. “A ferramenta de checagem ortográfica, como sabemos, às vezes muda a palavra pretendida; se não houver uma revisão do texto, o erro criado pelo computador passa despercebido”.
Novas tecnologias, como a função Siri da Apple, também fazem com que as pessoas se importem menos com a ortografia correta. “Se você notar o desenvolvimento da tecnologia escrita – da caneta de pena passando pela tinteira à esferográfica e, por fim, o teclado -, o objetivo é agilizar a escrita para se igualar à velocidade de ideias na cabeça”, diz Trubek. “A Siri é a que faz isso melhor”.
A autocorreção é provavelmente o motivo por que uma declaração oficial da Casa Branca escreveu “peach” (pêssego, na tradução do inglês) no Oriente Médio, em vez de “peace” (paz), diz Simon Horobin, professor de língua inglesa e literatura na Universidade de Oxford, do Reino Unido. “Vários problemas surgirão se você achar que está usando um método totalmente seguro. Você ainda tem que aprender a soletrar”, diz.
Antes, o material escrito costumava passar por um processo de revisão e edição mais cauteloso para corrigir os erros, mas hoje o conteúdo online é muito veloz e repleto de equívocos, diz Horobin, autor de Does Spelling Matter? (A ortografia importa?, em tradução livre) e How English Became English (Como o inglês se tornou inglês). “As pessoas veem suas mensagens de curto prazo como efêmeras, mas na verdade a mensagem fica para sempre na internet, e anos depois as pessoas ainda podem encontrá-la”, alerta.
Sim, você está sendo julgado
Uma pesquisa com 5,5 mil americanos solteiros conduzida em 2016 pelo site de relacionamentos Match.com descobriu que 39% dos entrevistados admitiu julgar um candidato pela sua habilidade gramatical. Inclusive, a ortografia ficava acima de itens como “sorriso”, “gosto para se vestir” e até a “condição dos dentes” num ranking de prioridades esperadas no parceiro ou parceira em potencial.
Outro estudo mostra que as pessoas saem de um website com erros de digitação porque pensam que a página é fraudulenta. Corporações estão cientes de que parte de sua imagem está relacionada à escrita e ortografia, segundo Roslyn Petelin, professora associada de escrita na Universidade de Queensland, na Austrália. “Nada pode fazer você perder a credibilidade e parecer ignorante mais rapidamente do que um erro de ortografia”, diz.
Até processos judiciais já envolveram problemas de ortografia, conta Petelin. Entre eles, está o caso britânico Taylor & Sons, no qual uma batalha judicial milionária foi travada por causa de um erro com uma única letra. Na ocasião, a agência britânica de registro comercial Companies House divulgou em um documento oficial o fechamento da Taylor & Sons Ltd, enquanto deveria ter se referido à Taylor & Son Ltd, sem o “s”.
Não é novidade que a escrita incorreta pode também impedi-lo de conseguir um emprego. Na Austrália, lembra Petelin, é comum empregadores exigirem provas escritas de seus candidatos. “Jovens saindo da universidade podem ter as habilidades interpessoais necessárias à vaga, mas se não conseguem escrever com coerência, os empregados não vão lhes oferecer o emprego”.
Um questionário realizado em 2015 pelo grupo de lobby CBI com chefes do Reino Unido que empregavam mais de 1,2 milhão de pessoas mostrou que 37% dos empregadores estavam insatisfeitos com a escrita e o uso da língua entre os que frequentaram escolas e universidades.
“Seria um erro dizer aos jovens que a ortografia não importa na indústria ou na profissão, porque essa habilidade básica é uma verdadeira porta de entrada para outras funções ou para o desenvolvimento de outras habilidades”, diz Pippa Morgan, diretora de educação e habilidades da CBI.
A capacidade de escrever corretamente é um requisito mais importante do que nunca, diz Morgan: “Se você está lidando com atendimento ao cliente via Twitter, essa pode ser a única interação do cliente com a empresa e, por isso, a qualidade da mensagem, o uso da linguagem, é muito, muito importante. Provavelmente tão importante quanto a simpatia no rosto do vendedor da loja ou na voz por telefone”.
Quando é aceitável relaxar a ortografia
Algumas vezes, no entanto, ortografia incorreta e abreviações de palavras são aceitáveis. “Usamos, por exemplo, ‘biz’ no Twitter como abreviação de ‘business’ (negócio, em inglês)”, diz Morgan.
Em alguns contextos, a linguagem informal é até necessária. “Se você manda um email para um vice-presidente (de uma empresa) de 21 anos que diz ‘Prezado Senhor Jones’ e usa uma escrita muito formal, pode ser um problema”, acrescenta Trubek.
Mas mesmo – ou talvez, especialmente – no mundo das mídias sociais, os autoproclamados “nazistas gramaticais” chamarão a atenção de erros de ortografia. Enquanto isso, outros preferem optar pela cautela mandando emails com um alerta como: “Enviado em trânsito pelo Iphone. Por favor, desculpe qualquer erro de digitação”.
Se antes havia convenções acordadas para a escrita de cartas, o ambiente online criou uma nova forma de discurso em que não sabemos exatamente quais são as regras, diz Horobin. Se relaxar as regras de ortografia, gramática e pontuação é aceitável no Twitter ou Facebook, o e-mail é mais difícil de avaliar, acrescenta. “O e-mail pode ficar às vezes entre o formal e o informal”.
Da mesma forma que adaptamos nossa fala para uma palestra, entrevista de emprego ou conversa com amigos, precisamos modificar seu uso também no mundo digital, diz Horobin. Então qual é a melhor abordagem?
“Prefira as convenções tradicionais e tenha certeza de que a ortografia está correta. Caso contrário, as pessoas vão julgá-lo. Essa é a dura realidade”, diz Horobin.
“É melhor estar correto e parecer ligeiramente pedante e antiquado do que tentar parecer mais relaxado e acabar irritando alguém por cometer um erro básico”.
Fonte: BBC