Para 82%, é fácil desobedecer as leis no Brasil
Oitenta e dois por cento dos brasileiros acreditam que é fácil desobedecer leis no Brasil, enquanto 79% acham que, sempre que possível, o cidadão apela para o famoso “jeitinho”. Os dados fazem parte do resultado da primeira coleta de dados realizada pelo Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas para compor o Índice de Percepção do Cumprimento da Lei – IPCLBrasil -, que será lançado hoje em São Paulo e é divulgado com exclusividade pelo Valor.
A ideia do IPCLBrasil surgiu da constatação de que no país, embora sejam produzidas muitas leis – entre 2000 e 2010 foram criadas 75.517 novas leis federais e estaduais -, há um senso comum de que os brasileiros não as respeitam e de que as leis “não pegam”. No entanto, não há pesquisas que demonstrem o quanto a população adere a essas leis. O objetivo do indicador é avaliar o grau de efetividade do Estado de direito no Brasil. Em outras palavras, pretende mensurar qual é a percepção dos brasileiros sobre o respeito às leis e o respeito às autoridades que devem fazer as leis serem cumpridas, como a polícia e os juízes.
De acordo com a professora da Direito GV Luciana Gross Cunha, coordenadora da pesquisa, o IPCLBrasil é um conceito paralelo ao Índice de Confiança na Justiça (ICJBrasil), criado pela instituição em 2009 para acompanhar de forma sistemática o sentimento da população em relação ao Poder Judiciário brasileiro. Enquanto o ICJBrasil é publicado trimestralmente, o novo indicador será divulgado a cada semestre.
O IPCLBrasil varia de 0 a 10, e a primeira pesquisa traz um índice de 7,3 pontos. Significa dizer que, em uma escala de 0 a 10, a percepção do brasileiro em relação ao cumprimento da lei é de 7,3 – 10 seria um comprometimento total com a lei. A pesquisa não encontrou diferenças na percepção da população em diferentes Estados, mas divergências foram encontradas em relação à idade e à renda dos entrevistados. Enquanto os mais velhos têm um maior grau de percepção do cumprimento da lei (7,6 pontos para os maiores de 60 anos contra 7 pontos dos jovens com idade entre 18 e 34 anos), os entrevistados de maior renda têm uma percepção menor do que aqueles de menor poder aquisitivo. A pesquisa mostra que quanto maior a renda, menor é o IPCLBrasil: quem ganha até 2 salários mínimos apresentou um índice de 7,6, ao passo que os que recebem mais de 12 salários mínimos tiveram um índice de 7,2.
Para compor o IPCLBrasil, os pesquisadores partiram de dois subíndices, um de comportamento e um de percepção. No indicador de comportamento, os entrevistados foram questionados sobre a frequência com que realizam determinadas condutas – entre elas, atravessar a rua fora da faixa de pedestres e comprar produtos piratas. Já o subíndice de percepção resulta de quatro indicadores: legitimidade (importância de se obedecer às leis); instrumentalidade (incentivos para cumprir a lei); controle social (desaprovação de condutas) e moralidade (diferença entre o que é certo e o que é errado).
De acordo com Luciana Gross Cunha, o uso de um subíndice de comportamento e um de percepção deve-se ao fato de que, em geral, as pessoas, ao se referirem ao seu próprio comportamento, tendem a responder que respeitam mais a lei do que quando avaliam o comportamento de outras pessoas. Assim, comprar CDs ou DVDs piratas, por exemplo, foi considerada uma conduta errada por 91% das pessoas, mas 60% delas afirmam que a praticaram nos últimos 12 meses. Para 54% dos entrevistados, a punição para esta atitude é provável. Já o ato de dirigir após consumir bebida alcoólica foi considerado errado por 99% das pessoas, enquanto 79% delas acredita que a punição é provável. Mesmo assim, 14% dos entrevistados responderam que dirigiram depois de beber nos últimos 12 meses (veja quadro acima). De acordo com Luciana, uma das conclusões da pesquisa é a de que, quanto maior a possibilidade de punição, mais as pessoas moldam seus comportamentos à previsão da lei.
Os resultados da pesquisa também revelam que quanto maior a desaprovação social em relação a uma conduta, maior é a possibilidade de a lei ser cumprida. Assim, levar itens baratos de uma loja sem pagar, por exemplo, foi apontado como uma conduta reprovável por amigos e conhecidos por 90% dos entrevistados, sendo que apenas 3% deles afirmam que já praticaram o ato nos últimos 12 meses. Já a compra de CDs e DVDs piratas foi considerada como uma conduta reprovada pelos amigos e conhecidos por apenas 64% dos entrevistados e praticada por 60% delas no último ano.
Um dos pontos que chama a atenção na pesquisa é o fato de os entrevistados que já utilizaram o Poder Judiciário alguma vez terem uma percepção menor de que as leis são cumpridas (índice de 7,1) em comparação aos que nunca participaram de um processo judicial (índice de 7,3). Na análise do indicador de comportamento, as pessoas que nunca se envolveram com a Justiça revelaram um comportamento mais condizente com o cumprimento da lei do que aqueles que já estiveram envolvidos em litígios na Justiça.
A pesquisa que compõe o IPCLBrasil foi feita entre o quarto trimestre de 2012 e o primeiro trimestre de 2013 no Distrito Federal e em sete Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Amazonas. Foram entrevistadas 3.300 pessoas maiores de 18 anos.
Valor Econômico