Pandemia trava emprego para trabalhadores com mais de 50 anos

Crise causada pela covid-19 reduziu oferta de vagas para esse público, que inclui o ‘grupo de risco’ para a doença, e levou a demissões
A covid-19 tornou o mercado de trabalho ainda mais avesso a trabalhadores acima de 50 anos, parcela que inclui o “grupo de risco” para a doença. Se antes da pandemia esse grupo já tinha dificuldades para se colocar profissionalmente – apesar de as empresas estarem começando a se abrir para essa mão de obra mais experiente, como mostrou o Estadão recentemente -, a crise reduziu a oferta de vagas para esse público e levou a demissões de quem ainda mantinha o emprego. Mesmo com a recente recuperação da economia, o quadro ainda não se normalizou para os mais experientes.
Em setembro de 2020, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) – que retrata o mercado formal de trabalho -, as admissões somaram 1,379 milhão e ficaram muito próximas da média observada para o mês entre 2012 e 2019 (1,4 milhão). Mas o comportamento é distinto entre as faixas etárias. Enquanto as contratações de jovens abaixo de 25 anos até superaram levemente a média, as vagas para os mais velhos não estão abrindo no mesmo ritmo. As admissões de pessoas com mais de 60 anos estão em torno de 70% da média para meses de setembro, considerando o período entre 2012 e 2019.
Nas demissões, ocorre o inverso. Embora o Caged costume ter saldos sempre negativos para as faixas etárias mais avançadas por conta da saída para a informalidade ou a aposentadoria, os desligamentos dos mais velhos estão voltando mais rapidamente à tendência histórica do que as dispensas de mais jovens, que estão bem abaixo da média observada para setembro nos últimos anos.
A plataforma Maturi, que atua como intermediadora entre empresas e profissionais de 50 anos ou mais, registrou uma queda de 80% na busca por trabalhadores em março e abril, no auge da pandemia. Em agosto e setembro, a procura aumentou 30% em relação a abril, e em outubro, a alta chegou a 60% na comparação com o momento mais crítico.
Mesmo assim, as buscas ainda estão 30% abaixo do registrado em igual período de 2019, conta o CEO da Maturi, Mórris Litvak. A empresa também passou a ser mais procurada para conduzir demissões.
“O preconceito com os mais velhos acabou se intensificando na pandemia. É algo que já existia bem forte no mercado de trabalho, e agora tem essa ‘desculpa’ de as pessoas serem teoricamente grupo de risco – e eu digo teoricamente porque não é todo mundo que tem 50, 60 anos que é grupo de risco. Muito mais que a idade, depende da condição de saúde”, afirma.
Em maio, a plataforma fez uma pesquisa com 4.052 usuários e descobriu que 39,2% consideram que a denominação “grupo de risco” resultou em maior preconceito na busca por uma vaga.
Em Brasília, uma menina de 13 anos escreveu uma carta a empresas de limpeza urbana pedindo emprego para o pai, de 63 anos, que está desempregado. O caso foi noticiado pelo portal de notícias Metrópoles. Uma das companhias, a Sustentare, respondeu ao veículo que o trabalhador já havia integrado o quadro de funcionários da empresa, mas que, por causa da pandemia, foi necessário demitilo. Ela também informou ao Metrópoles que “a recontratação de pessoas do grupo de risco vai ocorrer após a aprovação da vacina contra a covid-19”.
Procurada novamente pelo Estadão, a Sustentare modulou o discurso. “A empresa recebe normalmente os currículos de todos aqueles que pretendem uma posição na empresa e, no momento oportuno, as contratações serão feitas conforme a necessidade operacional”, disse em nota.
Em setembro, o Ministério Público do Trabalho (MPT) emitiu uma nota técnica ressaltando a importância de garantir igualdade de oportunidades e alertando que a dispensa discriminatória, inclusive por idade, é vedada por convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificada pelo governo brasileiro. O órgão não tem números consolidados sobre o tema dos idosos na pandemia.
Redução no nível de ocupação
O economista Bruno Ottoni, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do IDados, observa que a população com 60 anos ou mais é o segundo grupo mais afetado pela pandemia, atrás apenas dos jovens com menos de 24 anos. O nível de ocupação, medida que considera a população empregada em relação ao número de pessoas em idade ativa na faixa etária, caiu 11,2% para pessoas de 60 a 64 anos no segundo trimestre do ano ante igual período de 2019. Para pessoas de 65 anos ou mais, o tombo foi de 15,4%, segundo dados do IBGE.
“Tem risco para a empresa e para a pessoa. A empresa não quer contratar um indivíduo que pode pegar a doença, ir parar no hospital. E a empresa também tem riscos, pensando de uma forma mais fria e calculista. Você contrata uma pessoa, tem todo o custo de procurar, encontrar a pessoa certa, e essa pessoa fica doente e sai”, explica Ottoni.
No ano passado, o governo tentou criar um incentivo à contratação de trabalhadores com mais de 55 anos por meio do Emprego Verde Amarelo. A ideia era reduzir encargos sobre o salário desse profissional, enquanto o trabalhador também abriria mão de alguns direitos – o FGTS, por exemplo, seria menor. A medida acabou não vingando porque a equipe econômica não teve dinheiro para bancar as renúncias necessárias para a inclusão do grupo mais velho e priorizou o incentivo à contratação de jovens até 29 anos. No fim, o texto perdeu validade sem que tivesse aval do Congresso Nacional.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o tema segue no radar do governo e é objeto de estudos pela área econômica, embora ainda não haja uma proposta concreta para atacar o problema.
Litvak, da Maturi, diz que o impacto da exclusão ainda maior desses profissionais durante a pandemia pode ser grande. “Eles já são muito afetados pela falta de valorização dos mais velhos no mercado de trabalho. Com a acentuação disso, além da questão financeira, que afeta logo de cara, também tem o psicológico. Eles ficam com uma baixa autoestima, começam a se sentir inúteis, ficam deprimidos, e isso afeta a saúde”, afirma.
Para ele, saídas possíveis são investir na inclusão digital, ter incentivos para as empresas e desfazer os mitos de que trabalhadores mais velhos seriam desatualizados, não tão ágeis e custariam caro. Sobretudo agora que a reforma da Previdência exigirá mais tempo de serviço até a aposentadoria.
“Na pandemia, acho que eles enfrentam uma situação mais difícil, mesmo. Mas depois vai haver convergência para a situação das demais faixas etárias. A taxa de desemprego deve aumentar, porque nós postergamos a aposentadoria desses indivíduos, que não poderão sair do mercado de trabalho e terão de continuar procurando”, diz Ottoni.