Os novos limites para a mesa de trabalho
Você tem um território quase privativo na empresa onde trabalha? Sim e não. Tudo dependerá da atitude e dos limites que a organização pode colocar. A mobilidade para fazer tarefas também está mudando a fisionomia e impondo o que especialistas chamam de desapego
Está na hora de prestar atenção aos sinais que sua mesa de trabalho pode estar enviando sobre você. Especialistas em gestão de pessoas e em coaching (treinamento com foco em resultados) observam que o pouco, mas discreto e comedido, pode ser muito na composição do espaço, que costuma ser concorrido por ferramentas obrigatórias como computadores pessoais, por exemplo. Mas, mesmo entre os entendidos, há divergências sobre os limites entre o pessoal e profissional na hora de imprimir a marca de cada um à estação de trabalho.
“A mesa diz muito sobre a pessoa. Quando entro em uma sala já sei a tendência de comportamento só de olhar”, garante Mariana Cottini, sócia da SBCoaching Empresas, de São Paulo. “E não erro.” Entre as dicas de sobrevivência dadas por Mariana, está uma economia em número de objetos pessoais. E a razão é simples: na hora de uma mudança, quanto menos caixas com apetrechos levar, melhor, emenda a coaching. Mariana, que inclui na consultoria a executivos lições sobre como gerir a mesa de trabalho, adverte que ambiente “atolado” de coisas sugere burocracia e centralização. “Ter a mesa mais limpa, com poucos itens, mostra fluidez no comando”, define a sócia da CBCoaching Empresas.
A vice-presidente de inovação da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Estado (ABRH-RS), Crismeri Delfino Correa, observa que, quanto maior a mesa, e até a cadeira, maior costuma ser o poder da pessoa, mas que até isso está sendo revisitado. “Com a economia de espaço e ambientes mais abertos, essa relação está mudando”, previne Crismeri, que adota uma orientação quase universal a quem quer acertar a mão nos elementos da mesa. “A primeira impressão é a que fica. Então, é bom cuidar bem disso”, avisa a dirigente da ABRH-RS.
A mesa pode encurtar a percepção que gestores têm de seus comandados, entre mais ou menos criativos ou introspectivos. E pode estar no radar de avaliação de gestores, previne a dirigente da ABRH-RS. Crismeri exemplifica com o uso ou não de porta-retrato. “Pode ser um gesto para estreitar laços, mas não adianta colocar fotos com os colegas, por exemplo, se no dia a dia não há essa proximidade”, orienta a vice-presidente de inovação da ABRH-RS. Assim como dar uma atualizada nos itens que possam povoar a mesa (e a área próxima ao computador) também é sinal de cuidado. O que mais merece atenção são os chamados artefatos culturais, mais afinados com gostos e identidade do profissional.
Os especialistas recomendam que as organizações definam claramente o que pode e o que não pode na composição das mesas ou, pelos menos, as regras gerais. Paulo Amorim, consultor e professor do MBA em Gestão de Pessoas na ESPM-Sul, justifica que a conduta deve observa os limites da mesa do vizinho. Amorim cita que as orientações podem ser genéricas e costumam banir manifestações de preferência política e outras opiniões que possam gerar atritos. “As pessoas podem mostrar o que são no ambiente de trabalho, vale a diversidade, e o bom senso”, sugere o professor.
Os especialistas mostram divergência quando o assunto é emoção e a dose adequada no ambiente de trabalho. O avanço de estratégias de organização do ambiente inspiradas no 5S (sistema de qualidade) colocou ordem nas liberalidades. Mariana afirma: “quem é muito ligado emocionalmente ao trabalho, tem dificuldade de tomar decisão”. O que para ela não implica em ambientes onde a marca seja a frieza. Para a sócia da SBCoaching Empresas, as empresas estão criando espaços para a hora de descontração, como salas de diversão, salão de beleza e até utilidades, como lavanderias.
O rigor se eleva em ambientes de multinacionais, pois a exigência por produtividade e novos modelos de relação no ambiente da empresa estão acabando, por exemplo, com a referência da mesa. “O conceito é de estação de trabalho”, define a sócia da SBCoaching Empresas. A mudança se dá exatamente no uso, que segue a moda do compartilhamento. O profissional senta onde há espaço. “A pessoa tem seu notebook, headphone e se pluga no ponto de rede. O foco é ser mais dinâmico e produtivo”, conceitua a especialista. O professor Paulo Amorim observa que as mídias sociais fazem as pessoas se exporem mais, e isso influencia o espaço de trabalho. “Os profissionais buscam ser mais o que são, e as empresas que devem abrir espaço”, opina o especialista, que relaciona parte desse comportamento ao tempo dedicado ao trabalho. “Decorar com itens pessoais ajuda a viver essa extensão.”
Jornal do Comércio