Os desafios do novo governo na área econômica
Terminada a campanha eleitoral, as definições que mais se esperam do novo governo não são sobre aborto, mutirões de saúde ou a quebra do sigilo fiscal de integrantes da oposição – assuntos importantes, que frequentaram os debates antes da eleição e que estão, porém, aos cuidados das áreas competentes.
O governo agora terá de atacar as incertezas e definir o que fará para afastar os temores que começam a rondar cada vez mais de perto a economia brasileira. Tão importantes quanto as propostas a serem aplicadas nas políticas sociais, por exemplo, é a estratégia para financiá-las.
Nos últimos meses, a principal contribuição para a gestão pública foi a aplicação criativa de regras de contabilidade e a antecipação de receitas como maneira de lustrar o balanço do governo.
Evitou-se, assim, demonstrar explicitamente a frustração nas metas de superávit primário, cumpridas somente com a ajuda providencial de recursos da Petrobras e transações cruzadas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O novo governo terá de mostrar como cumprirá a meta de superávit, aparentemente consensual, de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB), fundamental para abrandar as pressões inflacionárias e reduzir substantivamente a dívida interna.
Outro tema que pairou no debate público sem nunca descer nos embates eleitorais é o destino da política cambial, apontada como questão de sobrevivência para as empresas nacionais pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, em entrevista a este jornal.
O câmbio apreciado por muito tempo, ainda que por dois ou três anos, pode destruir setores da economia essenciais, como o de bens de capital, alertou o secretário. Nos próximos meses, será necessário sinalizar com clareza como se enfrentará a apreciação do real em relação a moedas como o dólar – fenômeno que reflete o fortalecimento da economia brasileira e a tendência mundial de enfraquecimento da moeda americana.
Quanto mais demorar uma solução, maior será a dependência do parque produtivo nacional em relação ao fornecedor estrangeiro, o que ameaça o Brasil com um dilema em potencial: será necessário desvalorizar o real para garantir a competitividade dos produtores nacionais e será perigoso promover essa desvalorização, pelo choque de custos que poderá provocar na economia recheada de importados. Já aparecem indicações de que está se consolidando a migração do consumo em direção à oferta importada: dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostraram, na semana passada, mais uma queda no nível de atividade, em relação ao mês anterior, confirmando que desde abril, segundo o Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial (IEDI), a indústria não sustenta um ritmo consistente de crescimento.
Como qualquer solução para o dilema cambial não deverá ter resultados dramáticos em curto prazo, ganha urgência no governo que começa em 2011 a agenda para aumentar a competitividade do país, sempre adiada ou cumprida lentamente.
Não basta aumentar o número de universidades e de estudantes nessas instituições como fez o governo Lula. São necessários mecanismos de aferição de qualidade mais eficientes; e é flagrante a necessidade de formação de quadros técnicos e de nível superior para atender às necessidades de pessoal e tecnológicas do país no século XXI, de engenheiros para a exploração do petróleo a cientistas para o desenvolvimento e adaptação das novas tecnologias. Os discursos de campanha foram pouco além do enunciado de intenções sobre escolas técnicas.
Fim das barreiras à inovação nas médias e pequenas empresas? Freio no corporativismo das entidades de ensino superior? Estímulos para conter a evasão de cérebros? Como financiar o investimento reduzindo o papel já hipertrofiado do BNDES? De que forma melhorar o desempenho das obras de infra-estrutura, abaixo das próprias metas do governo nos últimos anos? Nada disso foi tratado com seriedade na campanha, e a resposta a essas perguntas ajudaria a firmar as expectativas para os próximos quatro anos.
A eleição necessariamente marca o fim do discurso triunfalista do governo e exige respostas pragmáticas a partir de hoje.
* do Valor Econômico