O emprego está ‘sob risco’ , afirma presidente da Anfavea
Vinte mil trabalhadores, em média, perderam o emprego na indústria automobilística em cada uma das crises de 1987, 1998 e 2015. Para saber o efeito disso na cadeia de fornecedores basta multiplicar o número por quatro. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, Luiz Carlos Moraes, fez essas contas para tentar calcular o que pode vir pela frente.
Os fabricantes de veículos conseguem, diz o dirigente, manter o nível de emprego por mais cerca de seis meses, quando se encerrarão os programas de redução de jornada e de salários previstos na Medida Provisória 936. Mas grande parte das autopeças e das concessionárias não tem fôlego para tanto.
Em entrevista ao Valor, Moraes disse que a Anfavea segue os analistas que preveem quedas no Produto Interno Bruto entre 5% e 7% em 2020, o que seria o pior desempenho da atividade no país desde 1900.
“Não adianta acreditar que daqui a dois ou três meses os problemas da saúde estarão resolvidos, a economia voltará a crescer e as pessoas vão sair comprando roupas e carros”, afirma Moraes. “Vamos demorar muitos anos para sair da crise, com recessão, alto nível de desemprego e os poucos empregados, com medo de gastar”, diz.
Todas as empresas da cadeia automotiva, com raras exceções, dependem de crédito para manter empregos e pagar contas, segundo Moraes. E, a exemplo de diversos outros setores, também o automotivo se queixa de os recursos de programas anunciados pelo governo não chegarem à ponta final.
Além disso, há dois meses as entidades que representam a cadeia de empresas desse setor têm mantido seguidas discussões com a equipe econômica para tentar convencer o governo a ser o garantidor de empréstimos bancários, que somariam em torno de R$ 40 bilhões.
O governo teria, como contrapartida das empresas, créditos tributários, que somam R$ 25 bilhões, referentes às transações comerciais dentro do setor e que estão nos cofres públicos. Com o governo no papel de fiador, o setor conseguiria financiamentos a custos mais baixos. “No passado, as grandes empresas conseguiam com as matrizes as garantias impostas pelos bancos”, diz Moraes. Mas, segundo ele, com a pandemia, não adianta pedir isso a multinacionais que estão envolvidas com o mesmo problema em seus países de origem.
Moraes diz que o setor tem tentado convencer o governo de que não querer correr o risco de oferecer garantias nos empréstimos de empresas por medo de calotes nos bancos pode trazer uma conta mais alta no futuro.
“Isso pode trazer um gasto enorme permanente em termos de perda de recolhimento de impostos, perda de renda e a necessidade de ampliar a oferta de recursos para seguro-desemprego e outros auxílios emergenciais, destaca Moraes.
Mas esses argumentos não têm convencido uma equipe econômica que, guiada por uma linha liberal, tem sugerido que as empresas se entendam com os bancos. “A proposta que nos foi feita é de mercado. É a linha liberal, da qual não discordamos. Mas numa crise em que nossa receita caiu entre 80% e 90% não adianta exigir um padrão normal”, diz.
O presidente da Anfavea não é só crítico do governo. Ele elogia a própria MP 936, “uma ferramenta que funcionou”, e também o auxílio emergencial de R$ 600 à população carente, “apesar das dificuldades no sistema de pagamento”. Ele aponta, ainda, a postergação do pagamento de tributos, como medida acertada.
“Mas falta o crédito”, reitera o executivo, apesar de a injeção de R$ 1,2 trilhão pelo Banco Central no sistema financeiro “ter trazido liquidez”. Para Moraes, se todos os setores reclamam do mesmo problema “algo está errado”. “Há muitos anúncios [do governo] e pouca execução”.
Segundo ele, “a bola agora está com o governo”. O dirigente lamenta que as decisões demorem “demais” em meio a uma situação que requer medidas urgentes. “O emprego está sob risco”, afirma. “Nosso setor segura até outubro ou novembro, com os mecanismos permitidos pela MP 936”, destaca.
Nas crises dos fins das décadas de 1980 e de 1990 e na de 2015, houve fortes quedas nas vendas de veículos. Em torno de 35% a 40%, segundo Moraes. Isso representa a metade da retração registrada em abril na comparação com o mesmo mês de 2019.
Algumas fábricas de veículos começaram a retomar a produção lentamente nos últimos dias, com menos operários. Mas outras só voltarão a produzir em junho. Não há pressa. No fim de abril, o estoque de carros e comerciais leves mostrou ser suficiente para quatro meses de vendas. Ou mais. A crise certamente reabrirá também o debate da ociosidade nesse setor.
As montadoras têm hoje capacidade para produzir 5 milhões de veículos por ano. A previsão, antes da pandemia, era alcançar 3 milhões em 2020. Ninguém no setor aposta, agora, em mais do que metade disso.
O avanço tecnológico dos veículos também ficou comprometido. Todas as empresas adiaram programas de investimentos, o que significa menos recursos para pesquisa e desenvolvimento e também para adequar os veículos às normas de segurança e de emissões de poluentes.
Segundo Moraes, o setor discute a ideia de propor uma revisão dessas regras. Isso significa rever prazos do programa Rota 2030, lançado pelo governo federal em novembro de 2018 e que prevê um coronograma de adaptações dos carros para níveis mais altos de tecnologia.
“Não somos contra as normas, mas temos que ver as condições de fazer isso agora”, destaca. “Outra coisa que vamos ter que acompanhar: será que o consumidor vai ter como pagar mais por um carro equipado com mais tecnologia?”
Mas, por enquanto, esse setor está fixado na busca de uma solução para seus problemas de caixa.
Fonte: Valor Econômico