“O sistema financeiro despertou para o potencial das pequenas empresas”
Entrevista: Alencar Burti, presidente do Sebrae São Paulo
Para o presidente do Sebrae, os bancos nacionais estão começando a desenvolver mais linhas de crédito direcionadas aos empreendimentos de pequeno porte — o que promete revolucionar a economia brasileira
Com um currículo exemplar, conquistado por longos anos de experiência, Alencar Burti, que já foi presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) e da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), hoje está à frente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), mostrando um espírito empreendedor e ávido por novos conhecimentos, apesar de seus 82 anos. “Eu costumo falar que estou na quinta infância, pois me permite argumentar que ainda preciso conhecer mais. Do auge das minhas oito décadas de vida, tenho consciência do que ainda não sei. Estar na quarta idade é horrível”, brinca ao conversar com o BRASIL ECONOMICO, durante intervalo na Feira do Empreendedor, aberta ao público até ontem no Expor Center Norte, em São Paulo.
Em entrevista exclusiva, Burti afirma que o acesso das micros, pequenas e médias empresas (MPEs) ao mercado financeiro começa a ganhar escala depois de longos anos de batalha. Segundo ele, a porta para esse sucesso, responsável por proporcionar investimentos e ampliar a capacidade produtiva e tecnológica, é o reconhecimento de que esse grupo representa 95% do universo de empresas no Brasil e gera 60% dos empregos. “Os bancos perceberam que estavam deixando de fora um público importante para eles”, afirmou. Isso acontecia, de acordo com Burti, por haver receio e dúvidas sobre o segmento. “Na prática os bancos pensavam da seguinte maneira : vale a pena dividir a atenção dispensada aos 5% do público, formado por grandes empresas, e responsável por 60% da receita da instituição financeira com os 95% formados pelos pequenos, que geram retorno de 35% a 40%?”, refletiu, mencionando que o universo das micro e pequenas empresas ainda era pouco conhecido pelos bancos. “Essa falta de conhecimento abria uma brecha para que os cuidados tomados contra os possíveis riscos fossem exagerados”, frisou.
Burti também refletiu sobre a burocracia e a alta carga tributária brasileira, consideradas dois grandes inibidoras dos investimentos privados, apontadas ainda como responsáveis pelo elevada taxa de mortalidade das MPEs. “O índice chega hoje a 29% no primeiro ano. Esse percentual caiu bem quando comparado aos 52% computados na primeira gestão do Sebrae, há 10 anos, mas ainda é muito. E os responsáveis por isso são a burocracia e os altos tributos”, opinou. Apesar de divulgar que o Sebrae está trabalhando em um projeto nesse sentido, que será apresentado à Assembleia Legislativa, o presidente da entidade diz que sem um esforço conjunto da sociedade organizada, exercendo pressão sobre a realidade, o problema não será superado. “Sem isso, não vai mudar. Esse excesso de burocracia leva ao aumento da informalidade. Quem não sobrevive, fecha e vai atrás de outras alternativas. Não se pode matar quem quer crescer”, disse. Para ele, há dois tipos de empreendedores: aquele com vocação natural e o que nasce da necessidade de sobrevivência. Contudo, ambos precisam de apoio para crescer e progredir.
Ao que parece, 2012 é o ano de destaque para as micro, pequenas e médias empresas, (MPEs), já que o segmento tem ganhado atenção especial de todo o mercado, sobretudo do setor financeiro. Isso tem de fato acontecido? Qual é o resultado?
Sim. O setor financeiro acordou, começando por atender ao meu ramo, o de automóveis, que é o sucesso do presente. Isso fez com que fossem abertas oportunidades para o ingresso de MPEs no universo do crédito. Com o acesso às linhas de financiamento, os pequenos empresários passam a comprar coisas que até então faziam parte apenas de um sonho e não da realidade. E essa nova realidade que o pequeno empreendedor está trazendo para a economia nacional é apenas o início. O sistema financeiro viu o quanto estava perdendo por não atender aos pequenos.
Do total de empresas no Brasil, qual o percentual formado por MPEs e quanto elas geram de emprego?
Cerca de 95% das empresas no Brasil são de pequeno porte, que juntas detêm 60% da mão de obra empregada no país.
Por que as instituições financeiras demoraram tanto a se voltar para as MPEs. Havia alguma indisposição contra esse perfil de empresa?
Não tinham nada contra, mas havia um receio, dúvidas, como, por exemplo, se era interessante dividir a atenção dada aos 5% das empresas de grande porte, responsáveis por 60% da receita da instituição financeira, com as MPEs que davam retorno de 35% a 40%, mas que eram pouco conhecidas pelos bancos.Essa falta de conhecimento abria uma brecha para que os cuidados tomados fossem exagerados.
Mas o que mudou agora? Recentemente, o Banco do Brasil anunciou a abertura de uma linha de crédito direcionada às MPEs…
Os bancos perceberam que era importante não só pelo retorno financeiro que teriam, mas também pela imagem social. Por exemplo, aqui na Feira do Empreendedor (realizada de 25 a 28 de outubro em São Paulo), além das instituições públicas como a Caixa Econômica, temos também agentes financeiros privados, como o Santander e o Bradesco, que até me convidou para fazer uma foto.
Mas até então as instituições bancárias eram vistas com maus olhos pelos empreendedores?
Essa história de que o banco é bandido não existe, não é nada disso. Nós (os pequenos) precisamos deles, assim como eles precisam de nós. Outra coisa, na medida que o banco empresta, ele vigia, porque o R$ 1 que ele tem a receber do pequeno empresário é tão importante quanto o R$ 1 milhão do grande.
Então as instituições financeiras estão de fato convencidas de que é vantajoso fazer negócio com os pequenos empresários?
As pessoas aprenderam a fazer poupança, a administrar o dinheiro, o patrimônio, pois começam a pensar no futuro. Então, isso leva o banco a oferecer muito mais que um financiamento. Essa consciência surgiu também no governo, que percebeu que politicamente era importantíssimo despertar para isso.
Apesar desse avanço, as MPEs ainda sofrem com as altas cargas tributárias. Há alguma saída no curto prazo?
O prolongamento do prazo de pagamentos de tributos é uma boa alternativa, pois acaba gerando mais incentivos ao investimento. Isso já está sendo proposto pela Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio) que propõe o pagamento dos tributos em até seis meses.
E, quanto a inflação, qual o melhor caminho para mantê-la controlada?
O maior instrumento nesse sentido é fomentar a competição, com o aumento da oferta de produtos disponíveis no mercado. Mas para que ela seja estimulada é preciso acabar com a burocracia e os altos tributos. Isso impede uma maior oferta de produtos no mercado.
Mas, ao reduzir juros e tributos, a percepção das esferas do governo é de perda de receita.
É muito importante prestar a atenção nesse ponto. Há espaço para redução desses dois fatores, que levarão ao aumento da receita, e não o contrário. Veja, a diminuição de tributos estimula o surgimento de mais produtos, que consequentemente gerarão mais arrecadação. É um efeito multiplicador. O que é mais vantajoso, trabalhar dessa forma ou continuar estimulando a informalidade? O pequeno empreendedor vai mudar o mundo.
O cenário começa a se mostrar mais favorável às MPEs, mas a taxa de mortalidade do segmento ainda é muito elevada…
É verdade. Ela chega a 29% no primeiro ano. Esse percentual caiu bem quando comparado aos 52% computados na primeira gestão do Sebrae, há 10 anos, mas ainda é muito. E os responsáveis por isso são a burocracia e os altos tributos.
Muitas vezes um negócio não dá certo e o empreendedor busca uma nova ideia para pôr em prática. Mas a dificuldade ao fechar a primeira empresa pode ser um complicador…
Isso acontece por conta da burocracia. É preciso fechar a empresa em várias instâncias, no município, no estado, na esfera federal, na secretaria de meio ambiente. Essa dificuldade encontrada leva o empresário a dar continuidade à nova empresa, mas quando vai em busca de crédito no mercado para fomentar o novo negócio não consegue o dinheiro.
Há algum projeto do Sebrae para resolver essa questão e também agilizar o prazo de abertura de novas empresas que hoje levam um tempo médio de 119 dias?
Estamos trabalhando junto com o Sindicato das empresas de serviços contábeis (Sescon) em um projeto nesse sentido o qual conta com o apoio do governo do estado e que será em breve enviado à Assembleia Legislativa.
Então essa ação será suficiente?
Estamos lutando, mas se a sociedade não se organizar e fizer pressão para que essa burocracia seja eliminada, não vai mudar. Esse excesso de burocracia leva ao aumento da informalidade. Quem não sobrevive fecha e vai atrás de outras alternativas. Não se pode matar quem quer crescer.
Como o sr. classifica a burocracia? Ela é um vírus altamente contaminante. É preciso ficar atento a ela. Quando se tira de um lugar, rapidamente surge em outro.
O Sebrae foi um dos responsáveis por colocar as demandas das MPEs em evidência?
O Sebrae vem se movimentando nesse sentido há 40 anos. Nós fizemos um novo motor e uma nova roda, que nem o automóvel, que passou a dar uma velocidade importante ao setor.
Na sua opinião, o que pode ser feito para incrementar os negócios do segmento?
Gostaria de mudar, futuramente, essa classificação de MPEs. Ao invés de chamá-los de micro empresários, eu os chamaria de nanoempresários. Não é muito melhor?
Qual a razão para isso?
Quando se fala em micro, a associação que se faz é a micróbio. Então chamá-los de nano é muito melhor, que pode ser associado à criança por ser pequeno ou a essa fantástica nanotecnologia que faz coisas absurdas dentro de uma indústria e é bem recebida por todos. Essa seria uma das fórmulas para mudar conceitos, aliás já começou.
Uma pessoa nasce empreendedor ou se torna empreendedor?
É preciso mostrar ao cidadão que ele, ao trabalhar em uma empresa, já pode se considerar um empreendedor. Pois, está vendendo um conhecimento. Mas, de fato, há dois tipos.
Quais?
Há pessoas que nascem com o DNA de empreendedor, com vocação natural. Um bom exemplo disso é Steve Jobs, fundador da Apple. Ele não terminou a faculdade, mas dava aula para professores naquilo que fez. O outro tipo é aquele que se torna empreendedor por necessidade, porque precisa se manter. Geralmente é alguém que perdeu o emprego e precisa sobreviver e a alternativa que encontra é abrir um negócio.
E qual o trabalho do Sebrae com esses dois perfis?
Ao Sebrae cabe detectar quem é o vocacionado e quem precisa de ajuda. Mas é importante saber que os dois podem trabalhar juntos.
Então as escolas não são tão importantes para os natos?
É importante lembrar que uma coisa não pode prescindir a outra, se não houvesse escola, laboratório, ele não poderia fazer o que fez.
As grandes empresas são melhores que as pequenas?
As grandes um dia foram pequenas e para chegar lá elas precisaram sonhar e superar obstáculos. Uma grande empresa não é grande por si só.
Para se tornar grande, o que um pequeno empreendedor precisa fazer?
“Não tome elevador, suba escada”. Costumo usar essa metáfora para explicar que todos aprendem a cada etapa, em cada degrau percorrido. Cada passo soma conhecimento e quando se chega à cobertura dá-se mais valor a tudo quanto se aprendeu no subsolo. O horizonte foi ampliado e isso traz mais responsabilidade. Além disso, se o Brasil deseja fortalecer sua indústria é preciso que tragam os pequenos para atuarem juntos. O crescimento da classe C e D trouxe essa nova dimensão à economia e todos passaram a ser importantes. O Sebrae esta ensinando a ter sucesso e para isso colocamos à disposição do empresário um núcleo de inteligência. ¦
* por Cristina Ribeiro de Carvalho, Brasil Econômico