“O problema fiscal será resolvido com crescimento e não com mais impostos”
Num casarão localizado no bairro nobre de Higienópolis, em São Paulo, a menos de 300 metros do estádio do Pacaembu, o ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto recebe diariamente políticos e empresários. O entra e sai de pessoas é constante e o telefone não para de tocar. A demanda por sua consultoria ficou ainda mais aquecida após a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Filiado ao PMDB, Delfim conhece como poucos o vice Michel Temer, e tem o ex-presidente Lula na sua lista de interlocutores. Na terça-feira 19, a DINHEIRO conseguiu um encaixe na sua concorrida agenda, mas a entrevista se estendeu, para desespero dos seus assessores. Perspicaz e bem humorado, como sempre, o ex-ministro criticou os erros do governo Dilma e elogiou Temer. “Ele é competente, treinado, um homem arguto.” Duas xícaras de café foram servidas. Delfim não tomou a dele, pois aquela não era a primeira nem seria a última reunião do dia. Em ritmo frenético de trabalho, ele completará 88 anos no dia 1º de maio.
DINHEIRO – Os empresários apoiaram abertamente o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O que o governo Temer, se oficializado, pode oferecer a eles?
ANTONIO DELFIM NETTO – Ele pode oferecer um bom programa econômico, com base no documento “Uma Ponte para o Futuro”. O Temer é competente, treinado, um homem arguto. Ele é muito mais firme do que as pessoas estão acostumadas a ver. Temer tem uma firmeza educada. Ele não precisa de palavrão. Ele terá a oportunidade extraordinária de se transformar num estadista. São apenas dois anos de mandato, mas ele pode plantar carvalho em vez de couve.
DINHEIRO – Qual é o impacto na economia?
DELFIM – Quando esse programa for apresentado, o maior efeito será na baixa dos juros. Se as condições estão na direção certa, os juros futuros convergem para o lugar certo. Não precisa forçar porque o mercado derruba os juros. O Brasil foi vítima de erros monstruosos na política monetária que nos acompanham até hoje. O País não precisa ter a maior taxa de juros do mundo. Isso é incompetência dos economistas, mesmo. Eu espero que o Temer encontre pessoas que façam a correção de que o País precisa.
DINHEIRO – Quais serão essas pessoas?
DELFIM – O próprio Temer vai decidir, mas uma coisa é clara: ninguém vai se recusar a ajudá-lo. Muitos nomes especulados fingem que não querem, mas estão, na verdade, desesperados para entrar no governo. É conversa mole deles.
DINHEIRO – Qual é o perfil ideal para o futuro ministro da Fazenda?
DELFIM – O perfil ideal é de quem aceite os princípios estabelecidos no programa “Uma Ponte para o Futuro”, que é um conjunto de idéias convergentes de economistas de várias escolas. É um conjunto mínimo necessário para o qual convergem as pessoas de bom senso. Não adianta ficar brigando, achando que tem mágica. O Brasil precisa esquecer a mágica. Nós estamos colhendo os frutos da mágica do PT. Não tem jeito. Você só tira coelho da cartola quando ele está lá dentro.
DINHEIRO – O que deu errado na economia?
DELFIM – A economia vive de expectativas. É basicamente confiança. E o Brasil perdeu isso. Atualmente, com o governo Dilma, ninguém mais crê que possamos levar o País a lugar nenhum a não ser a uma tragédia maior do que a atual. No governo Dilma, houve um processo político muito mal conduzido. Até agora ninguém sabe por que a Dilma se meteu, em 2015, na disputa à presidência da Câmara dos Deputados (o peemedebista Eduardo Cunha virou oposição após vencer o petista Arlindo Chinaglia, que tinha o apoio de Dilma). A presidente fez um bom governo até 2011, mas, em 2012, começou a promover intervenções no setor de energia e petróleo, que pioraram lentamente a situação econômica. Então havia uma situação política ruim aliada a uma insensibilidade econômica, que destruiu a indústria brasileira. Com tudo isso somado, a cobra mordeu o rabo. Piorava a situação econômica, piorava a situação política e tudo piorava num círculo vicioso, até que a Dilma perdeu completamente o protagonismo.
DINHEIRO – Mas, em 2015, a presidente Dilma não tentou mudar os rumos da economia?
DELFIM – De fato, ela tentou se salvar com a nomeação do Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, mas ninguém nunca acreditou que ela pensasse igual ao ministro. Foi por isso que o Levy pagou um preço altíssimo, apesar de suas propostas serem corretas. Na sequência, Dilma escolheu um substituto tão bom quanto o Levy, o Nelson Barbosa. Aparentemente, ela aprova o programa proposto pelo Nelson, mas quem recusa é o PT. O inimigo da Dilma é o PT. Sempre foi. O PT é o partido do pensamento mágico. É aquele pensamento em que se você for suficientemente esperto e forte, e ideologicamente burro, dirá que dois mais dois são 22. É isso que levou a essa situação dramática.
DINHEIRO – O rombo fiscal é culpa da Dilma?
DELFIM – Estamos colhendo o fruto de um desequilíbrio fiscal estrutural que sempre esteve dentro da Constituição. Desde 1988. Tanto Fernando Henrique quanto Lula, no auge do seu prestígio, se recusaram a corrigir esse problema, usando a velha técnica do comediante americano Groucho Marx, que dizia: “Por que eu faria alguma coisa pelo futuro se ele nunca fez nada por mim?” Portanto, o primeiro governo que produzisse uma recessão do tamanho que Dilma produziu iria fatalmente colher esse desequilíbrio estrutural. E isso aconteceu.
DINHEIRO – Mas, em última análise, o impeachment tem como origem um crime de responsabilidade fiscal que ela cometeu…
DELFIM – Eu nunca estive muito convencido sobre as condições jurídicas que levaram à abertura do processo de impeachment. A Dilma foi julgada, na verdade, pelo resultado da obra. É evidente que o Brasil não tem mais como prosseguir desse jeito. Fazer um desequilíbrio fiscal é simples, mas desfazê-lo é extremamente complexo e exige um esforço enorme.
DINHEIRO – O governo Temer conseguirá virar esse jogo fiscal?
DELFIM – Ninguém vai conseguir desfazer isso no curto prazo. Na economia, o tempo é irreversível, assim como na vida. A flecha do tempo só vai para frente, não vem para trás. O desastre está feito. Ele até pode ser desfeito, mas isso leva tempo. O que não pode é ser ignorado. O pensamento mágico do PT finge que não aconteceu nada e vamos começar tudo de novo. Não funciona.
DINHEIRO – Qual deve ser o papel essencial do governo Temer?
DELFIM – O Brasil precisa de um novo governo que recupere a esperança e a confiança da sociedade, e explique onde está problema. É preciso convencer a sociedade da necessidade de se corrigir os excessos.
DINHEIRO – Haverá perda de direitos e benefícios?
DELFIM – Não há nada que vá prejudicar fortemente alguém. No fundo, grande parte dessa discussão envolve corporações espertíssimas que conseguiram tomar do pobre trabalhador recursos para elas ficarem bem. São sindicatos, ONGs e intelectuais de toda natureza, ou seja, é uma classe média com poder vocal que foi se apropriando de recursos e, atualmente, diz que isso é direito adquirido. Mas quem paga esse direito adquirido? É a grande maioria da população.
DINHEIRO – E como o novo governo mostrará isso para a sociedade?
DELFIM – É preciso que o novo governo vá à televisão e explique o que são e como esses direitos foram adquiridos. E mostrar que eles são pagos pelos impostos cobrados da maioria, que financia essa minoria privilegiada. Portanto, a mensagem principal é a de que a grande maioria não será prejudicada com a retirada de exageros da minoria.
DINHEIRO – Os programas sociais serão realmente preservados?
DELFIM – Ninguém vai atacar o Bolsa Família, que é um programa extremamente inteligente. O programa vai na direção da igualdade de oportunidades, porque dá saúde, alimentação e educação, que são os mecanismos de ascensão social. Por outro lado, quando se fala em Bolsa Família, é preciso reconhecer que há muitos parasitas. Então, vamos fiscalizar os parasitas para que os verdadeiros necessitados ganhem mais. Além disso, o governo não vai atacar a aposentadoria rural. Vai atacar o neto que recebe aposentadoria porque o avô dele foi trabalhador rural. E esse neto hoje já é bacharel.
DINHEIRO – O tema da Previdência está nos planos do PMDB. É inadiável?
DELFIM – Há uma questão de aritmética. Não podemos ter na sociedade aposentados com 50 anos de idade. Há 50 anos, fazia sentido, pois a expectativa de vida era muito menor. Você trabalhava 30 anos e ficava apenas cinco anos aposentado. Hoje, com expectativa de 75 anos, você trabalha 30 anos e fica mais 30 anos aposentado. Não é preciso ser um físico quântico para ver que a conta não fecha.
DINHEIRO – Mas com tanta polêmica, o governo deve priorizar a Previdência?
DELFIM – Tem de apresentar um programa completo e ir executando aos poucos. Hoje o mais importante é flexibilizar o orçamento, reduzindo os gastos obrigatórios, e sinalizar que, daqui dois anos ou três anos, iremos caminhar para uma estabilidade da relação dívida/PIB. Para isso, não adianta só cortar gastos públicos num ambiente com 10 milhões de desempregados e a economia encolhendo. O governo precisa devolver para sociedade a crença de que ela vai crescer. E ela precisa aceitar que vai crescer. No fundo, o problema fiscal será resolvido com crescimento e não com mais impostos.
DINHEIRO – Mas o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, cotado para ser ministro da Fazenda, avalia ser inevitável uma alta temporária de impostos. O sr. concorda com ele?
DELFIM – Eu acho um exagero dizer que é inevitável. Provavelmente, se as condições que vão proporcionar a inversão de expectativas começarem a produzir seus efeitos, talvez um pequeno aumento temporário da carga tributária ajude. Porém, seria um erro começar por esse item. De 1988 a 2014, o PIB cresceu 2,8% ao ano, mas a carga tributária saltou de 20% para 35% do PIB. Muito dinheiro foi parar nas mãos do governo. Foi essa farra que permitiu essa porcaria que está aí.
DINHEIRO – É correto dizer que a Operação Lava Jato encolheu o PIB?
DELFIM – A Lava Jato é um ponto de inflexão na história do Brasil. Depois dela, as instituições estarão muito mais fortes e a organização produtiva estará muito mais hígida. Quando terminar, a Lava Jato deixará como herança um crescimento de pelos menos um ponto a mais de PIB pelo resto da vida.
IstoÉ Dinheiro