Metade dos brasileiros tolera o assédio moral e sexual no trabalho
Se o assédio moral diminuiu no trabalho virtual ainda é cedo para dizer, mas até poucos meses quase metade dos brasileiros estava praticando ou fazendo vistas grossas ao que acontecia na mesa ao lado no escritório. Mais de 40% preferiam omitir sua opinião ao presenciar o bullying sofrido por colegas e 37% se mostravam indiferentes ao assédio sexual de um superior a um subordinado.
Esses dados fazem parte de um levantamento feito com 2.435 profissionais, a maior parte funcionários ou candidatos a cargos de gestor em 24 empresas de grande porte do país (80% com faturamento superior a R$ 50 milhões). Renato Santos, especialista em compliance e diretor do Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC), que conduziu a pesquisa, diz que é possível que o assédio cresça no home office pela pressão por resultados, mas o que já vivíamos é muito preocupante. “As organizações precisam declarar intolerância a isso e investir em programas de treinamento que promovam a ética”, diz.
O assédio moral, segundo ele, que 18% dos participantes disseram tolerar como algo normal e que 41% afirmaram não denunciar, mesmo ao presenciar um ato ao seu lado, pode ser um dos mais cruéis. Isso porque ele pode acontecer de forma sutil, velada, ao longo do tempo e afetar profundamente o moral de quem sofre. “Às vezes o profissional é colocado na geladeira, não é incluído nas reuniões e é ignorado pelo chefe. Isso faz com que os colegas, que antes o chamavam para o café ou o almoço, também passem a desprezá-lo”, afirma. Ele diz que a área de vendas é uma das mais suscetíveis a esse comportamento, que inclui provocação, gozação, ridicularização e desqualificação.
Santos diz que o assédio sexual vem diminuindo nos últimos cinco anos. “O aumento de pedido de indenizações na Justiça Trabalhista é uma prova disso”, conta. Mas o fato de 16% dos pesquisados ainda admitirem que o praticam, para ele, é assustador. Essa minoria admitiu que busca deliberadamente se aproveitar da posição hierárquica para tentar subjulgar subordinados para favores sexuais, segundo a pesquisa. As vítimas, no geral, são mulheres (87%). “Se o homem sofre assédio ele não fala nem para os amigos”.
A indiferença em relação ao assédio sexual relatada por 37% dos pesquisados é outro ponto alarmante que, segundo Santos, está relacionada ao machismo. “As pessoas dizem: ‘ela está dando mole, é só uma cantada’. Essa omissão é gritante em nossas empresas.”
Outro tipo de assédio comum nas empresas brasileiras é classificado no levantamento como corporativismo. “Ele está relacionado com a politicagem e a criação de grupos de poder que podem ser muito prejudiciais à organização”, diz. Uma parte dos brasileiros sabe que esse comportamento não é adequado. Na pesquisa, 43% declararam ser contra o corporativismo porque ele prejudica quem não faz parte da “panelinha” e promove a desunião e o distanciamento entre as pessoas. Apenas 7% dizem que podem praticá-lo de forma deliberada visando um benefício futuro ou imediato.
O problema é que 47% dos entrevistados disseram aceitar participar desses grupos e da “politicagem” praticada por eles. “O corporativismo pode fazer uma pessoa se aliar a outra para sabotar alguém que está se destacando ou ajudar a encobrir o erro de quem faz parte do grupo”, afirma Santos. O pesquisador lembra que quando existe um choque de gerações na organização, o corporativismo fica mais evidente. “As pessoas se juntam e se estabelece uma guerra sobre as diferentes visões. Essa guerra gera um conflito que destoa dos objetivos da empresa.”
O IPRC foi lançado em 2018 e é resultado de uma parceria entre a S2 Consultoria e a Meu Estúdio, produtora de conteúdo de comunicação corporativa, e reúne especialistas da academia e do mercado. Nessa pesquisa, que compilou dados de 2017 a 2019, os participantes responderam a perguntas quantitativas, qualitativas e vídeos, durante 50 minutos. A partir desse material, foram analisados os comportamento éticos em diversas situações de trabalho.
Fonte: Valor Econômico